27 de Julho, 2009
Estimativa da capacidade aeróbica máxima VDOT e respectivos tempos de corrida em provas curtas, médias e até em ultra-maratonas, isso mesmo, a partir de uma novíssima ‘equação até cair morto’
Autor: O Primitivo. Categoria: Corrida
Foto: Corredor exausto, na Maratona de Londres.
Fonte: Daily Mail, UK.
Como estoirar numa corrida
Uma noite mal dormida, alimentação deficiente, calor imprevisto, uma dor de burro surpresa, excesso de confiança, falta de confiança, uma distância para além das nossas capacidades, etc. São dezenas as razões para, numa prova menos feliz, acabarmos como o amigo que vemos na foto acima. Ou até, pode dar-se o caso, de nem sequer conseguirmos terminar essa prova! Quem é corredor e participa nas muitas provas que por aí andam, certamente já passou por esta experiência desagradável. A de já estar completamente arrebentado ainda a meia-maratona vai a meio, ou de, no entusiasmo da partida, começar demasiado rápido, para além do seu limiar aeróbico, e depois a metade já estar a "deitar os bafos", sabendo que ainda terá de "arrastar" o seu corpo para a meta por mais 10 ou 15km. Tudo isto faz parte das "emoções" e da aprendizagem da corrida, algo nem sempre agradável mas que nos faz evoluir bastante. Porque é com os erros que se aprende, nunca com as corridas fáceis!
Naturalmente, quanto maior a distância a percorrer, maior a probabilidade de você se estoirar por completo antes de uma prova terminar, ou mesmo de não terminá-la. Por exemplo, se você é um indivíduo sedentário e não costuma correr, é muito provável que, nas suas primeiras corridas, não faça mais de 500m seguidos, uns meros 5 minutos a rolar. Se você é um corredor de fim-de-semana, treinando 3 vezes por semana e fazendo umas provas de 10km aqui e acolá, como é o meu caso, provavelmente já aguentará correr 1h30 ou 2h seguidas, a 80% da sua capacidade aeróbica máxima ("aeróbica" significa "na presença de oxigénio"). Mas se é um atleta fundista olímpico, então certamente fará uma maratona em menos de 2h30m, a um impressionante nível de esforço médio rondando os 90% ou mais. Mas todos estes atletas, independentemente da sua preparação, se excederem o seu limiar aeróbico por demasiado tempo, muito rapidamente arrebentam. Não há volta a dar, isto faz parte da fisiologia humana. A questão consiste somente em saber quando. É o que vamos ver e aprender a estimar agora.
Capacidade aeróbica máxima (VDOT)
O conceito de VDOT, ou consumo máximo de oxigénio (VO2máx) em determinada corrida, foi introduzido nos anos 90 pelo famoso treinador Jack Daniels (não, não tem nada a haver com o whiskey), autor de um livro de referência para o atletismo, o "Daniels’ Running Formula". No capítulo 3 deste livro, que você pode ler aqui, Daniels explica que a capacidade atlética de um corredor depende de vários parâmetros, designadamente do consumo de oxigénio (VO2), do limite de lactacto, da velocidade e da economia de corrida, entre outros. Muitos destes parâmetros fisiológicos são difíceis de determinar em prova e/ou só podem ser obtidos em meio laboratorial. Daniels explica ainda que, em alternativa, é possível adpotar-se uma abordagem mais empírica, utilizando os níveis de performance em determinada corrida (valores combinados de tempo vs distância) para, a partir da correspondente capacidade máxima aeróbica (VDOT), estimar a performance do atleta em outras distâncias. Sobre este assunto sugere-se a leitura deste excelente artigo, do próprio Jack Daniels: The power of VDOT (Revista Peak Running Performance).
Fonte: The power of VDOT (Daniels).
O VDOT é por isso um indicador empírico de performance atlética, muito eficaz porque engloba uma série de variáveis, inclusive relativas às condições em que as provas são realizadas e ao próprio esforço psicológico e empenho do atleta, não correspondendo por isso ao VO2máx laboratorial, que é obtido em condições óptimas. Embora se quantifiquem na mesma unidade, mlO2/kg/min, o VDOT é, por regra, sempre inferior ao VO2máx. O que há de fantástico neste sistema é que ele coloca atletas com performances iguais, apesar de poderem possuir VO2máx diferentes, numa mesma curva de economia de esforço. Isto porque Daniels verificou que, entre atletas com performances muito similares, uns podem possuir VO2máx mais alto, mas por regra possuem menor economia de esforço, de tal forma que uma coisa compensa a outra e, no final, acabando ambos com igual VDOT. Este sistema serve assim não só para catalogar os atletas no que respeita à sua efectiva capacidade atlética, mas também para programar os seus treinos segundo níveis de intensidade, de acordo com uma espécie de pirâmide (outra pirâmide, mas esta não é alimentar, valha-nos isso):
Equação de esforço aeróbico
Na prática, este valor de referência, o VDOT de Daniels, é calculado a partir do consumo de oxigénio médio numa prova realizada com determinado nível de esforço constante e em que o atleta dá o seu máximo, acabando o mais exausto possível. Este conceito é traduzido matematicamente na seguinte Equação de Esforço Máximo (esta designação é minha):
Consumo O2 (ml O2/kg/min) = VDOT (ml O2/kg/min) x esforço (%)
em que:
Consumo O2 - é o volume máximo médio unitário (ou até instantâneo, dependendo do intervalo de tempo considerado) de oxigénio consumido numa prova, expresso em mililitros de O2, por quilo de peso corporal do atleta, por minuto (ml O2/kg/min);
VDOT - capacidade máxima aeróbica, ou de limiar aeróbico, uma característica intrínseca de cada atleta, dependente não só do seu nível de preparação mas também das suas capacidade genéticas; um atleta olímpico possui VDOT da ordem dos 70 a 80 mlO2/kg/min, um atleta de fim-de-semana na casa dos 40 e um indivíduo sedentário cerca de 30 ou até menos (ml O2/kg/min);
% esforço - representa o nível máximo de esforço aplicável em determinada prova, a qual tem de ser concluída, expresso em percentagem da capacidade máxima aeróbica (VDOT); usualmente, andar a pé significa 50% do esforço máximo, correr no limite aeróbico numa meia-maratona ronda os 85%, fazer uma esprintagem máxima de 5 minutos significa 95% ou mais de esforço (%).
Fonte: Assessment of VO2max (InTheGym).
Esta equação anterior é muito importante para você entender os passos que apresentarei a seguir. Por isso, antes de avançar mais, vamos olhar para ela com mais atenção, para entender o seu significado. A lógica é a seguinte: você tem uma determinada capacidade máxima aeróbica como atleta, digamos, de 40 mlO2/kg/min (este é o seu VDOT, mais adiante explicarei como calculá-lo), e pode colocar parte dela em prática consoante o tipo de prova em que participa. Se for uma prova curta, de 3km, pode realizá-la quase no máximo esforço, digamos a 98.5%. Se for uma prova longa, por exemplo uma meia-maratona (21km), deverá realizá-la no máximo a 84.6% de esforço, ou menos. Porque se tentar fazê-la a mais de 90% na maioria do percurso, seguramente não chega ao fim. Concretizando em números:
O2(consumido) = VDOT x esforço(%)
Prova de 3km - O2(consumido) = 40.0 (mlO2/kg/min) x 0.985 = 39.4 (mlO2/kg/min)
Prova de 21km - O2(consumido) = 40.0 (mlO2/kg/min) x 0.846 = 33.8 (mlO2/kg/min)
Naturalmente que a prova de 3km será feita a um ritmo elevado, de 4:40 /km, muito superior ao da meia-maratona, que deverá ser 5:15 /km. O cálculo destes ritmos/passadas é realizado através de uma curva como a do gráfico mais abaixo, publicada originalmente no "Oxygen Power" (1979), por Daniels & Gilbert (1979). Se expressarmos a velocidade em km/min, ao invés de m/min, a expressão correspondente em formato VBA/Excel é a seguinte (note os coeficientes ajustados à velocidade expressa em km/min):
Function O2cost_Daniels(Speed As Double) As Double 'O2cost in mlO2/kg/min, SPEED=DIST/TIME in km/min O2cost_Daniels = 104 * Speed ^ 2 + 182.258 * Speed - 4.6 End Function
Ou seja, voltando à nossa Equação de Esforço Máximo, verificamos que nela temos 3 parcelas: consumo de oxigénio, que sabemos calcular pela fórmula acima, e que depende apenas da velocidade a que corremos. Ou seja, Consumo O2 = função(velocidade) ou f(distância/tempo), porque velocidade = distância/tempo. A segunda parcela, VDOT é a que pretendemos conhecer, e a terceira é o nível de esforço, que nos convém expressar em função do tempo de corrida. Por outras palavras, em termos matemáticos, teremos:
VDOT (ml O2/kg/min) = Consumo O2 (ml O2/kg/min) / esforço (%) = constante
sendo o consumo de O2 calculado a partir da velocidade média de corrida, obtenível através do rácio distância/ tempo, e % de esforço, que também convém determinarmos em função unicamente do tempo de corrida. Trata-se por isso de uma curva de esforço, relacionando o esforço com o tempo de corrida: corrida curta em esforço elevado, e vice-versa. Sempre terminando exausto. Digamos que é uma curva do tipo abaixo.
In 1979, Jack Daniels and Jimmy Gilbert published "Oxygen Power. Performance Tables for Distance Runners". This series of tables predicted all-out racing times for virtually every racing distance. Each performance time in the table is related to a VO2max index, called VDOT. The tables were generated using two regression equations: (1) relating oxygen consumption with velocity, and (2) predicting the amount of time one can run at a given percentage of VO2max. By combining these two equations, substituting VDOT indices, and looking for convergence for Newton-Raphson curve fitting analysis, one can then mathematically match up a predictable racing time expected at a given distance for someone having a particular VDOT index. Of course, doing this kind of calculus can give a normal human being a headache; so it is done with computers. The validity of these tables is strongly supported by looking at the known VO2max scores of some world record holders and their respective record times.
Nova "equação até cair morto"
Foto: Ultra-Maratona Atlântica Melides-Tróia (2009).
Esta última curva representa o limiar de capacidade aeróbica de um atleta correndo por certo tempo, sendo que ao fim desse tempo, em que esteve sempre num patamar constante de esforço elevado, termina a distância completamente arrebentado, quase como o rapaz da foto inicial deste artigo. Por isso se designa esta curva, em linguagem popular, por "Equação até cair morto" (em inglês, "Drop Dead Equation"). Ora, na época em que Jack Daniels estabeleceu esta curva, ainda estaria pouco desenvolvida esta insanidade que se designa por ultra-maratonas, ou seja, correr distâncias superiores a 42 km, muitas vezes em condições ambientais extremíssimas. Por exemplo, no exacto momento em que escrevo estas linhas sei que há meia dúzia de bravos a terminarem a Ultra-Maratona Atlântica Melides-Tróia, uma prova de 43 km percorrida na areia, debaixo do sol tórrido do verão das praias entre Melides e Tróia. E não há nenhum ser ultra-humano que faça esta prova em menos de 3 horas, a maioria demora 4, 5 ou mais horas. Isto já para não falar das ultras a sério, como a Comrades e a Badwaters, mas nem vou entrar neste assunto agora. É um universo à parte, que nem sonhamos.
O facto é que a "equação até cair morto" de Daniels termina pelas 3 horas, algo nitidamente limitado às provas de distância igual ou inferior à da maratona. O que, convenhamos, é capaz de servir a 90% dos corredores. Mas porque acho que os ultra-maratonistas merecem maior "consideração", decidi estender a curva de Daniels aos tempos dos ultra-maratonistas a sério, ou seja, até às 24h. Nada de bichezas de maratonazinhas, apenas 42.2 km, feitas em 3 horas. Queremos é ver pessoal "de barba rija" a fazer os 250 km em menos de 24 horas! Vejamos então o resultado disto. Temos a "equação até cair morto" de Daniels (1978) que apresentei acima, cujo limite de validade serão os tais 180 min (3 horas), e não mais. Por sua vez, temos também a curva do Professor Noakes (2002), apresentada na pág. 67 do seu magnífico livro, o "Lore of Running" (este é o meu livro favorito de corrida), estabelecida a partir dos recordes mundiais em diversas ultra-distâncias. É este o gráfico.
Ora, sobrepondo as citadas duas "curvas até cair morto", a de Daniels & Gilbert com a de Noakes, temos o gráfico abaixo, no qual também se representa uma nova "equação até cair morto", que em boa medida conjuga a informação dessas duas curvas, tornando possível a estimativa do esforço-limite de um atleta numa amplíssima gama de esforços/distâncias de corrida, desde os mais ligeiros, com poucos minutos de duração, passando pelos 10km, meias-maratonas e maratonas, e terminando nas ultra-maratonas de até 24 horas de duração.
Figura: "Curvas até cair morto": Daniels (1979) a azul escuro;
Noakes (2002) a vermelho; Carvalho (2009) a azul claro.
Note-se que a nova curva de Carvalho (2009) - sou eu próprio - tem um excelente ajustamento à curva de Daniels (1979) nos primeiros 150 minutos (2.5 horas), abandonando-a depois para se "colar" suavemente à curva de Noakes (2002), nela se confundindo a partir dos 510 min (8.5 h). Este comportamento, no que respeita às distâncias "normais" está evidenciado no gráfico abaixo, que é idêntico ao acima mas com zoom em 0 min< t < 300 min e no qual se constata que as duas curvas azuis (clara e escura) são quase coincidentes para t<150 min. Portanto, temos assim uma "equação até cair morto" com um mais amplo domínio de validade, digamos que mais consensual, para todos os gostos, assegurando que, qualquer que seja o seu nível de bravura (ultra-maratonistas, algum por aqui?) num único dia de corrida, ele ficará devidamente representado nesta curva. A menos que os dias passem a ter mais de 24 horas de corrida, o que é improvável!
Figura: Idem, mas para 0min < t < 300min.
A função Excel/VBA correspondente a esta novíssima "equação até cair morto" será a seguinte:
Function pVO2max_Carvalho(TIMEmin As Double) As Double '%VO2max vs Time. An extended formula based on data from: '"Conditioning for Distance Running - The Scientific Aspects", Jack Daniels, Wiley & Sons (1978) and '"Lore of Running", page 67, Figure 2.13, Human Kinetics, T. Noakes (2002) pVO2max_Carvalho = 0.704 + 0.359 * Exp(-TIMEmin ^ 1.691 / 88825) + 1.176 / TIMEmin ^ 0.139 - 1 / TIMEmin ^ 0.043 End Function
Ou seja:
%VO2max = 0.704 + 0.359 * Exp(-TIMEmin ^ 1.691 / 88825) + 1.176 / TIMEmin ^ 0.139 - 1 / TIMEmin ^ 0.043
Repare que se trata de uma curva elementar, apenas representa uma função % esforço = % VDOT = f(tempo), válida para tempos de corrida até 1440 min (24 horas). Ou seja, também aplicável aos ultras!
Calculando VDOT, um exemplo prático
Voltemos então à equação que nos permitirá calcular o VDOT de Daniels a partir do consumo de oxigénio, que já sabemos estimar a partir da velocidade de corrida (ou rácio distância/tempo), e da curva de esforço, que acabámos agora mesmo de obter, expressa unicamente em função do tempo de corrida. Note bem que o nosso objectivo é relacionarmos tempos com distâncias, pelo que temos de representar todas as restantes variáveis em função destas duas: tempo vs distância. Agora isto está a toma forma, basta dividir as duas coisas da seguinte forma:
VDOT (ml O2/kg/min) = Consumo O2 (ml O2/kg/min) / esforço (%)
Como o consumo de oxigénio de Daniels (1979) é dado por O2cost_Daniels = 104 * Speed ^ 2 + 182.258 * Speed - 4.6, sendo Speed = DISTkm / TIMEmin, e o esforço máximo sustentável, para determinado tempo de corrida, é dado por % esforço = 0.704 + 0.359 * Exp(-TIMEmin ^ 1.691 / 88825) + 1.176 / TIMEmin ^ 0.139 - 1 / TIMEmin ^ 0.043, podemos escrever simplesmente:
VDOT (mlO2/kg/min) = (104 * (DISTkm/TIMEmin) ^ 2 + 182.258 * (DISTkm/TIMEmin) - 4.6) / (0.704 + 0.359 * Exp(-TIMEmin ^ 1.691 / 88825) + 1.176 / TIMEmin ^ 0.139 - 1 / TIMEmin ^ 0.043)
Agora sim, terminámos! Repare só nesta beleza: temos finalmente uma expressão que nos permite estimar, unicamente a partir de uma distância qualquer percorrida (DISTkm) e do seu respectivo tempo (TIMEmin), a correspondente capacidade aeróbica máxima (VDOT). Mas vamos ver se funciona mesmo, ou se isto é apenas uma treta de equação sem sentido. Por exemplo, se eu fizer uma corridinha de 10 km em 55 minutos, termino no meu limite físico, já meio estoirado. Qual será então a capacidade aeróbica máxima deste jogger, que faz os 10km neste (modesto) tempo? Façamos as contas por partes:
DISTkm = 10, TIMEmin = 55, que corresponde uma cadência SPEED = 10/55 = 0.1818 km/min (ou 5m30s /km)
O consumo de oxigénio correspondente será:
Consumo O2 = 104 * 0.1818 ^ 2 + 182.258 * 0.1818 - 4.6 = 31.97 mlO2 / kg /min
E qual o será o meu nível de esforço máximo suportável nesses 55 minutos?
% esforço = 0.704 + 0.359 * Exp(-55 ^ 1.691 / 88825) + 1.176 / 55 ^ 0.139 - 1 / 55 ^ 0.043 = 0.892 (ou 89.2%)
Portanto, bastante alto, mesmo em cima dos 90%. Não há dúvida que correr assim é para arrebentar no fim!
O respectivo VDOT será então:
VDOT (mlO2/kg/min) = Consumo O2 (mlO2/kg/min) / esforço (%) = 31.97 / 0.892 = 35.86 mlO2/kg/min.
Voilá! Já sabemos calcular a capacidade máxima aeróbica (VDOT), ainda por cima através de uma equação toda janota. Agora algo mais difícil, por exemplo, conhecido o VDOT, que acabámos de calcular e que, como já tivémos oportunidade de verificar, caracteriza razoavelmente o potencial aeróbico máximo de um atleta, vamos tentar estimar o tempo mais provável deste mesmo atleta numa meia-maratona. Aqui fica um pouquinho mais complicado, porque será necessário resolver a seguinte equação implícita:
35.86 = (104 * (21.1/TIMEmin) ^ 2 + 182.258 * (21.1/TIMEmin) - 4.6) / (0.704 + 0.359 * Exp(-TIMEmin ^ 1.691 / 88825) + 1.176 / TIMEmin ^ 0.139 - 1 / TIMEmin ^ 0.043)
Como você já está a ver, não é tarefa fácil. Mas isto pode ser resolvido por tentativas. Por exemplo, vamos experimentar TIMEmin = 120 (2 horas). O lado direito resulta em 35.78, o que é quase igual aos 35.86. Mais algumas tentativas e chegamos à conclusão que o tempo correcto é TIMEmin = 122, ou seja, uma Meia-Maratona feita provavelmente em 2h02m.
Fantáaastico Mike!
Espero que com esta demonstração, passo-por-passo, você tenha agora aprendido como, em primeiro lugar, estimar a sua capacidade máxima aeróbica (VDOT de Daniels), e depois, a partir desta quantidade, estimar os seus tempos em diferentes distâncias de corrida. De qualquer forma, isto ainda não acabou, há mais Mike! A forma de resolução da equação acima, por tentativas, não me deixa muito convencido, há formas matematicamente mais elegantes de resolver estas coisas. Uma delas muito simples, através de tabelas, que apresento no final deste artigo, e outra mais complicada, através de umas rotinas "sofisticadas", em Excel/VBA. Repare que o problema acima foi descobrir o tempo (TIMEmin), mas também poderia ser o inverso, estimar a distância (DISTkm). Por isso temos duas rotinas de VBA, para estimar com total exactidão "tempos", que é esta:
Function TIMEmin_exact(VDOT As Double, DIST As Double) As Double 'DIST in km, TIME in min, VDOT in mlO2/kg/min TIMEmin_exact = (30.8 * Log(VDOT) + DIST - DIST ^ 0.5 + 78.5) * (DIST / VDOT) - 0.2374 'first guess counter = 0 delta = 0.00001 dTIME = 1 / delta While Abs(dTIME / TIMEmin_exact) > delta And counter < 10 pVO2max_f1 = pVO2max_Carvalho(TIMEmin_exact) pVO2max_f2 = pVO2max_Carvalho(TIMEmin_exact + delta) f1 = VDOT - O2cost_Daniels(DIST / TIMEmin_exact) / pVO2max_f1 f2 = VDOT - O2cost_Daniels(DIST / (TIMEmin_exact + delta)) / pVO2max_f2 dTIME = f1 / (f2 - f1) * delta TIMEmin_exact = TIMEmin_exact - dTIME counter = counter + 1 Wend End Function
E para estimar distâncias (a partir de tempos) será esta:
Function DISTkm_exact(VDOT As Double, TIMEmin As Double) As Double 'DIST in km, TIME in min, VDOT in mlO2/kg/min DISTkm_exact = TIMEmin * (VDOT / 42.162 - 0.122 / VDOT) / Log(TIMEmin ^ 0.2797 * VDOT) 'first guess counter = 0 delta = 0.00001 dDIST = 1 / delta While Abs(dDIST / DISTkm_exact) > delta And counter < 10 pVO2max_f1 = pVO2max_Carvalho(TIMEmin) pVO2max_f2 = pVO2max_f1 f1 = VDOT - O2cost_Daniels(DISTkm_exact / TIMEmin) / pVO2max_f1 f2 = VDOT - O2cost_Daniels((DISTkm_exact + delta) / TIMEmin) / pVO2max_f2 dDIST = f1 / (f2 - f1) * delta DISTkm_exact = DISTkm_exact - dDIST counter = counter + 1 Wend End Function
Nestas fórmulas os logaritmos são todos naturais (porque o que é natural é bom, é mais saudável!), apesar de estarem representados por Log. O Excel/VBA funciona assim, não há que contrariar o bicho!
Estas duas funções de VBA, para funcionarem, requerem a declaração das funções pVO2max_Carvalho(TIMEmin) e O2cost_Daniels(DISTkm_exact / TIMEmin). A função DISTkm_exact pode ser utilizada para se estimar, por exemplo, a distância percorrida num Teste de Cooper, usualmente utilizado em provas de aferição física e que consiste em saber qual a distância máxima percorrida em 12 minutos (nível de esforço teórico 100%). Por exemplo, para calcular a performance de Carlos Lopes neste teste, nos seus tempos de campeão olímpico, terá primeiro de saber o seu VDOT. Para simplificar, vamos considerar que é 79 ml O2/kg/min (ver cálculo no fim deste artigo), pelo que a sua distância de Cooper será DISTkm_exact(79;12)*1000 = 4517m. Outra hipótese para cálculo da distância de Cooper seria utilizar a seguinte fórmula simplificada:
Function DISTkm_simple(VDOT As Double, TIMEmin As Double) As Double 'DIST in km, TIME in min, VDOT in mlO2/kg/min DISTkm_simple = TIMEmin * (VDOT / 42.162 - 0.122 / VDOT) / Log(TIMEmin ^ 0.2797 * VDOT) End Function
que forneceria o resultado 4436m.
Ou seja, temos aqui também uma nova fórmula aproximada para o Teste de Cooper, que após algumas transformações se poderá escrever simplesmente como:
DISTm_Cooper = (285 * VDOT - 1500 / VDOT) / LN(2 * VDOT)
Note-se que esta distância, que você terá de percorrer em 12 minutos, depende unicamente de VDOT.
Ops, mas há aqui um "problema". Então não era muito mais simples pegar na equação VDOT (ml O2/kg/min) = Consumo O2 (ml O2/kg/min) / esforço (%) e considerarmos esforço = 1 e TIMEmin=12? Teríamos assim simplesmente:
VDOT = 104 * Speed ^ 2 + 182.258 * Speed - 4.6 ou
VDOT = 104 * ((DISTm/1000)/12) ^ 2 + 182.258 * (DISTm/1000)/12 - 4.6
Isto é uma simples equação quadrática, de solução imediata. Ou quase. A sua solução é DISTm = 57.692*(35132+416*VDOT)^0.5-10515. Para VDOT = 79 (a capacidade do Carlos Lopes no JO) fornece DISTm = 4528.8. Portanto, um valor concordante com os acima obtidos. Aliás, este é valor mais rigoroso, os outros são aproximados. Mas avancemos.
Novas fórmulas e tabelas de capacidade aeróbica
As rotinas anteriores se calhar complicaram as coisas um bocado. A maior parte das pessoas saberá aplicar fórmulas mas não programar rotinas de Visual Basic no Excel. Por isso, apresento a seguir um conjunto de equações explícitas, isto é, que não requerem qualquer cálculo iterativo. Esta primeira é bastante poderosa, proporciona elevada precisão na estimativa de tempos de corrida a partir das distâncias e da capacidade aeróbica máxima. É capaz de ser a melhor delas todas. Está no entanto limitada à distância das maratonas (ultra-maratonistas desculpe-me mas a matemática nem sempre faz milagres). A sua expressão é a seguinte:
Function TIMEmin(VDOT As Double, DISTkm As Double) As Double 'DIST in km, TIME in min, VDOT in mlO2/kg/min If DISTkm >= 0.25 And DISTkm < 11.5 Then TIMEmin = 317.041606718455 * DISTkm ^ 1.0341183711487 / VDOT + 0.136278858405055 * DISTkm ^ 2.97749075636178 / _ VDOT ^ 1.5226021709578 - 393.71775516676 * DISTkm / VDOT ^ 1.44859110991315 + 0.275591990125057 * DISTkm _ ^ 1.09945272262868 - 21.2062770953337 * DISTkm / VDOT * Log(VDOT + DISTkm) - 2.14549732979856E-02 End If If DISTkm >= 11.5 And DISTkm < = 43.5 Then TIMEmin = 295.916074631237 * DISTkm ^ 1.04870935542305 / VDOT + 0.491863684661673 * DISTkm ^ 2.76600190981493 / _ VDOT ^ 1.90013184891051 - 452.356701870616 * DISTkm / VDOT ^ 1.56376684580191 + 0.46570317158062 * DISTkm _ ^ 0.955845268432682 - 23.5008458275875 * DISTkm / VDOT * Log(VDOT + DISTkm) - 3.00887147963722E-02 End If End Function
Novamente, os logaritmos são naturais (base e).
Para estimativa de distâncias, não disponho de nenhuma fórmula de alta precisão explícita. Não é que tal não possa ser produzido, eu não consegui obter uma suficientemente precisa que mereça divulgação. Mas em alternativa desenvolvi algumas fórmulas de menor precisão, com a vantagem de serem de aplicação directa, para estimar tudo e mais alguma coisa. Ou seja, para estimar VDOT (cuja expressão, como vimos, não é iterativa) e para estimar tempos em função de distâncias e vice-versa, caso em que já será necessário cálculo iterativo. Estas fórmulas mais simples, cujo limite de aplicação é até aos 50 km, são então as seguintes:
Function VDOT_simple(DISTkm As Double, TIMEmin As Double) As Double 'DIST in km, TIME in min, VDOT in mlO2/kg/min VDOT_simple = DISTkm * Log(DISTkm + 30.96) / (TIMEmin / 54.11 - DISTkm / 174.4) - 3.447 End Function Function TIMEmin_simple(VDOT As Double, DISTkm As Double) As Double 'DIST in km, TIME in min, VDOT in mlO2/kg/min TIMEmin_simple = (30.8 * Log(VDOT) + DISTkm - DISTkm ^ 0.5 + 78.5) * (DISTkm / VDOT) - 0.2374 End Function Function DISTkm_simple(VDOT As Double, TIMEmin As Double) As Double 'DIST in km, TIME in min, VDOT in mlO2/kg/min DISTkm_simple = TIMEmin * (VDOT / 42.162 - 0.122 / VDOT) / Log(TIMEmin ^ 0.2797 * VDOT) End Function
Todas estas fórmulas e outras estão disponíveis através do ficheiro de Excel vdot-tabelas-formulas.zip (2.7 Mb). Por sua vez, as fórmulas/rotinas em VBA isoladas constam do ficheiro vdot-formulas.txt (7.7 kb). Conforme referido, todos os logaritmos são neperianos, apesar de estarem representados por Log.
E as tabelas? Sim, em substituição de tudo o que viu para trás, pode simplesmente utilizar estas tabelas em format pdf:
Para as distâncias usuais (até 50 km): vdot-tabela-standard.pdf (16 kb)
Para ultra-maratonas (de 43 a 250 km): vdot-tabela-ultra.pdf (16 kb)
Como funcionam estas tabelas? Vejamos o exemplo já atrás apresentado, do corredor que faz os 10km em 55 minutos. Entrando na tabela standard, na coluna dos 10km, verificamos que o tempo mais próximo será 54m50s, a que corresponde um VDOT 36 mlO2/kg/min (Repare que o valor mais rigoroso, atrás determinado, é 35.86). Está será, portanto, a capacidade aeróbica máxima deste corredor. De acordo com esta mesma tabela, este corredor poderá então fazer a Meia-Maratona no tempo provável de 2h01m21s, com cadência média 5m45s /km.
Outro exemplo: qual a capacidade aeróbica máxima (VDOT) do maratonista português Carlos Lopes nos Jogos Olímpicos de 1984? Como sabemos, Carlos Lopes venceu a prova da maratona, nesses célebres jogos, com a marca extraordinária de 2h09m21s, que se manteve como recorde olímpico até aos Jogos Pequim em 2008. Se entrarmos na nossa tabela vdot, na coluna da maratona (42.2km), e interpolarmos entre os dois tempos mais próximos das 2h09m, podemos estimar o VDOT de Carlos Lopes em cerca de 79 mlO2/kg/min. É uma performance impressionante, um valor acima de 70 já indica que se trata de um atleta de altíssima elite. Repare que isto equivale ao dobro da capacidade aeróbica máxima do nosso corredor de fim-de-semana!
Mas o que aconteceria à performance de Carlos Lopes se, logo após as olimpíadas, tivesse engordado 10 quilos num curto espaço de tempo? Há quem diga que a capacidade aeróbica varia linearmente com o peso, pelo que, se pesasse 70 kg (estou a arbitrar este valor) o VDOT de Lopes decairia para 79 * 70 / (70+10) = 69.1 mlO2/kg/min. Para este VDOT, a nossa tabela indica que o tempo na maratona decairia para cerca de 2h25m, o que é bastante significativo. Repare que, de forma inversa, você pode estimar o seu próprio incremento de performance caso emagreça uns quilinhos. A forma de o fazer já sabe: VDOT(magro) = VDOT(gordo) * Peso(gordo)/Peso(magro). Por exemplo, se o nosso atleta sedentário, com VDOT 35.86 mlO2/kg/min e 80 kg de peso, emagrecer 7.5kg, passará a um VDOT=35.86*80/(80-7.5)= 39.6 mlO2/kg/min, o que é uma melhoria bastante significativa.
Já agora que estamos a falar de tabelas, veja também estas tabelas de outros autores, vdot-tabela-daniels.pdf (192 kb), que traduzem o plano de treinos de Daniels, ou seja, em função da sua capacidade aeróbica, estabelecem cadências diferenciadas para diferentes objectivos de treino.
Considerandos finais
Foto: Badwater UltraMarathon: 137 milhas <>
217 km pelo Vale da Morte, EUA.
Conforme referido, as fórmulas e rotinas constantes deste artigo, com a demonstração da sua validade, estão disponíveis no ficheiro de Excel vdot-tabelas-formulas.zip (2.7 Mb), as quais se encontram traduzidas em dois quadros para estimativa da capacidade máxima aeróbica VDOT, um para distâncias até 50 km e outro para ultramaratonas até 250km. Tenha presente que as estimativas do tipo aqui apresentadas pressupõem um certo grau de erro, podendo ser bastante falíveis no que respeita às maiores distâncias, as tais ultra-maratonas. Portanto, se você é o tal corredor amador de fim-de-semana, que faz os 10km em 55 minutos, já muito em esforço, não julgue que conseguirá fazer já este próximo Domingo, na praia, uma Ultra-Maratona Atlântica Melides-Tróia em 4.5 horas, porque isto simplesmente não funciona assim! Sem treinar a sério para isso, o mais provável é que, ao fim dessas horas todas, termine como o rapaz da foto inicial deste artigo, ainda muitos quilómetros antes de avistar a meta!
Este artigo é dedicado a todos os ultramaratonistas que andam por aí. Keep running!
Artigos recomendados:
The power of VDOT (Jack Daniels)
Oxygen power (Daniels & Gilbert, 1979)
Daniel’s Running Formula - chapter 3, pg 46
The energy cost of running increases with the distance covered
Athletic records and human endurance
Human aerobic performance: too much ado about limits to VO2
Ligações relacionadas:
VO2max (Wikipedia)
Running training: determining your current level of fitness (Jack Daniels)
Dr. Jack Daniels and the power of oxygen (Runner’s World)
Your magic number (Runner’s World)
Race performance calculations
The mathematics of running physiology
Runner’s log and predictive performance analytics
Vdot calculator and rraining paces
VO2max, aerobic power & maximal oxygen uptake
VO2max (Brianmac)
Aerobic capacity (Peak Performance)
Improve your VO2max (Amby Burfoo)
Assessment of VO2max (InTheGym)
World record progression for men’s 5K and 10K
Plano de treino:
Plano de treinamento 5 a 15K (Studio Carbonari)
Livros recomendados:
"Daniels’ Running Formula", Jack Daniels
"Lore of Running", Timothy Noakes (este é obrigatório, o meu favorito)
Download:
Folha Excel/VBA: vdot-tabelas-formulas.zip (2.7 Mb)
Só as fórmulas/rotinas em VBA: vdot-formulas.txt (8.5 kb)
Distâncias usuais (até 50 km): vdot-tabela-standard.pdf (16 kb)
Ultra-maratonas (de 43 a 250 km): vdot-tabela-ultra.pdf (16 kb)