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10 de Julho, 2010

Confronto de dietas no Congresso da APNEP: dieta mediterrânica, dieta do paleolítico e dieta vegetariana

Autor: O Primitivo. Categoria: Civilização| Dieta| Primitivos

Foto: Dieta do Paleolítico, pelo nutricionista Dr. Alexandre Azevedo.

 

Realizou-se no passado Sábado (03/Jul/2010), no XII Congresso da APNEP-Associação Portuguesa de Nutrição Entérica e Parentérica, na Faculdade de Medicina de Lisboa, um confronto científico entre três dietas: a dieta mediterrânica, a dieta do paleolítico e a dieta vegetariana. Estes três princípios foram defendidos, respectivamente, pela Dra. Renata Barros, da FCNAUP, pelo Dr. Alexandre Azevedo, da NUTRISCIENCE, e pela Dra. Claudia Viegas, docente da ESHTE. Cada apresentação durou cerca de 20 minutos, ao que se seguiu um debate baseado em perguntas do público, com a duração de cerca de 30 minutos.

Dieta mediterrânica

A primeira apresentação foi sobre a dieta mediterrânica, popularizada internacionalmente nos anos 50 pelo Dr. Ancel Keys, na qual foram apresentados, pela Dra. Renata Barros, diversos argumentos em seu favor. Na sua essência, trata-se de uma dieta tradicional, ainda pouco perturbada pelas comidas industrializadas, facto este que, por si só, já tem variadas vantagens para a saúde. No entanto, conforme se pôde constatar, foi nela enfatizada uma suposta predominância do consumo de cereais, dizendo-se que cerca de 50% da energia deve deles provir. Na realidade, a dieta mediterrânica tem características bem mais hiperlipídicas do que aquilo que foi referido nesta palestra (e em Portugal até existe um um estudo observacional na região norte pela FCNAUP que concluiu que as pessoas que consumiam mais gorduras, inclusive das saturadas, e também mais colesterol, tinham menor risco de AVC). Os grandes equívocos e mitos em torno da dieta mediterrânica têm por base estudos epidemiológicos, dos quais se extrai causalidade, e como sabemos não é possível extrair causalidade de observações. A maior parte dos estudos citados na apresentação da Dra. Renata é muito ilusória porque, agregando inúmeros/demasiados factores de confusão, acaba por conduzir a conclusões em completa contradição com o que se verificaria numa intervenção. É bom exemplo disso o consumo de cereais "saudáveis", os quais nunca estiveram presentes ao longo da evolução humana, a que estão associados uma degradação da saúde humana em geral e que, sendo por regra ricos em amido/glúten, possuindo baixa densidade nutricional quando comparados com os alimentos ancestrais (pág. 349, Table 4), e apresentando ainda anti-nutrientes porventura nocivos, provavelmente potenciam e/ou causam inúmeras alergias alimentares, aumentam a permeabilidade intestinal, a inflamação e o risco auto-imunitário, e são o factor ambiental causador da doença celíaca. Representam igualmente um factor para a degradação do metabolismo da glucose, pelo que deveriam ser minorados/evitados principalmente por diabéticos. As dietas mediterrânicas - dietas no plural porque existem várias dietas mediterrânicas - são sempre necessariamente superiores à dieta moderna baseada em junk-foods industrializadas, mas este facto não as torna automaticamente nas dietas evolucionariamente mais adequadas aos seres humanos. Afinal, os povos mediterrânicos, ou que pensam que o são sem o serem, como é o caso do português, não são tão saudáveis quanto isso. Apresentam razoável prevalência de mortalidade cardiovascular e doenças crónicas, e esta não é de todo uma situação normal para os humanos no seu meio natural. Será a dieta mediterrânica moderna assim tão maravilhosa como se pensa? A meu ver, os eventuais benefícios da dieta mediterrânica são sempre excessivamente empolados, através do destaque de certos alimentos que a compõem mas que não possuem nenhuma vantagem "mágica" nutricional. Sei que é um pouco escandaloso afirmar isto, mas neste lote também se inclui o azeite (em artigo posterior poderei justificar esta afirmação).

Dieta do paleolítico

Seguiu-se à apresentação da dieta mediterrânica a do Dr. Alexandre Azevedo, intitulada Dieta do Paleolítico. Esta palestra foi, toda ela, baseada no paradigma em que os humanos evoluíram, ao longo de milhões de anos, portanto com base num estilo de vida e alimentos bem definidos, e que apenas foi perturbada com a introdução da agricultura, há cerca de 10.000 anos, e mais recentemente, há cerca de 100 anos, com a industrialização da cadeia alimentar. O Dr. Alexandre começou por referir que esta é uma dieta com abordagem evolucionista, que tem por base a nossa genética e a nossa fisiologia. "Será possível ser saudável num mundo doente?" foi a tónica desta apresentação, em que foram apontados inúmeros aspectos diferenciadores da saúde de povos primitivos/tradicionais com a dos povos modernos/urbanizados. Foi também referido que existem inúmeras pirâmides oficiais, elaboradas por especialistas, todas elas diferentes e que variam ao longo do tempo, mas que, apesar disso, se têm revelado incapazes de melhorar as doenças modernas. Foi explicado que, em biologia, as coisas só fazem sentido à luz da evolução, que os seres humanos não podem ser dissociados desta realidade, e que todos estes alimentos modernos (cereais/farinhas, leguminosas, leite/lacticínios, margarinas, óleos vegetais, açúcar e sal) são demasiado recentes para que o nosso genoma a eles se possa ter adaptado. Povos primitivos não possuíam estas doenças crónicas modernas, pelo que a abordagem à saúde humana que realmente faz sentido será estudar estes povos e tentar emular, nos dias modernos, os seus estilos de vida e dietas. Achei também interessante a referência à não-nocividade das gorduras saturadas, tendo sido referido que o ácido esteárico, a principal gordura da carne, possui um efeito neutro sobre o perfil lipídico. Todos estes assuntos têm sido referidos frequentemente neste blogue. A meu ver, esta foi a melhor das três apresentações, pela sua clareza, objectividade e riqueza de conceitos.

Dieta vegetariana

A última apresentação coube à Dra. Claudia Viegas, que falou da dieta vegetariana. É difícil sermos adeptos de uma dieta que não possui qualquer base evolucionária, mas temos de reconhecer que mesmo a dieta vegetariana é capaz de ser melhor que a dieta moderna da civilização, a tal dieta baseada em junk-foods industrializadas como, por exemplo, as que constavam do coffee-break deste congresso sobre nutrição (ver foto abaixo). Afinal, a dieta vegetariana até rejeita as proteinas animais com as suas gorduras saturadas que fazem elevar o colesterol mau, e ninguém quer ter colesterol nocivo em circulação. Na prática, qualquer dieta, seja a dieta do Dr. Robert Atkins ou até a vegetariana, ainda que esta só baseada em conceitos ideológicos e/ou éticos, desde que promova o consumo de mais alimentos naturais, representando portanto uma aproximação às dietas primitivas/tradicionais, há de trazer sempre alguma vantagem à saúde humana. Mas também terá inúmeras desvantagens, porque não deixa de ser uma dieta distante da tradição dos povos. Basta aqui notar que o vegetarianismo é uma moda recente, tal como referiu a Dra. Cláudia. Por regra, povos primitivos nunca se alimentaram estritamente de vegetais. E, como seria de esperar, toda a defesa da dieta vegetariana assentou na ideologia do nutricionismo, abordagem à qual se podem apontar inúmeros defeitos. O problema é que não se trata aqui só da deficiência de um certo conjunto de nutrientes ou micro-nutrientes, mas sim da eliminação de variados alimentos essenciais, como a carne/peixe/ovos, proteínas estas de alto valor biológico, com milhares de nutrientes, com interacções mal dominadas ou até completamente desconhecidas. A defesa científica do vegetarianismo está também baseada em inúmeros equívocos da epidemiologia, sendo um facto que a mortalidade (mas não necessariamente a saúde) vegetariana pouco difere da dos carnívoros. E também esta defesa  assenta essencialmente na designada hipótese lipídica, que como sabemos tem visto a sua credibilidade a erodir-se progressivamente a cada estudo que é publicado. O Dr. Collin Campbell, que é o cérebro do vegetarianismo, até chega ao extremo de afirmar que "comidas com mais de 0 mg de colesterol são nocivas à saúde". Isto faz algum sentido?

Foto: Congresso da APNEP, alimentos neolíticos do coffee-break.

Conclusões

Este debate-confronto de dietas promovido pela APNEP, a meu ver, foi bastante proveitoso e deveria ser repetido em outros fóruns, pois permitiu aos presentes, muitos deles técnicos de saúde e estudantes, aperceberem-se de que existem inúmeras lacunas de conhecimento no universo da alimentação, designadamente no que respeita a alguns alimentos recém-introduzidos na alimentação humana, como os cereais, que podem não ser assim tão benéficos quanto se pensa. Isto já para nem falar do leite/derivados, das margarinas, óleos vegetais e açúcar, etc. Conforme apontado pelo Dr. Alexandre Azevedo, o facto é que a maioria da modernas recomendações alimentares, supostamente promotoras da saúde, resultaram de pressões de lóbies de interesse e baseiam-se, em abono da verdade, em fraquíssima, para não dizer nula, evidência científica. O problema é que agora os "especialistas" que as defendem argumentam que só poderão ser mudadas se para tal existir uma forte evidência. Ora, não faz qualquer sentido exigir forte evidência para alterar recomendações que, na prática, não foram estabelecidas com esse mesmo padrão de exigência, pois não? Para complicar mais as coisas, parece que todos os nutricionistas estão irremediavelmente apaixonados pelos cereais e, apesar de saberem dos problemas que podem causar, até falam de um suposto "efeito protector dos alimentos à base de cereais integrais". A isto associa-se o medo irracional das gorduras, resultante obviamente dos mitos em torno do colesterol entupidor de artérias. Há que abandonar de vez estas conjecturas e passar a abordar a alimentação humana através de um paradigma evolucionário, baseado em cultura/antropologia, em ciência/bioquímica e em biologia/evolucionismo. A meu ver, estes equívocos das dietas mais ou menos "saudáveis" serão eternos. Pelas mais diversas razões, haverá sempre um grupo de investigadores convencido que a sua dieta é superior a todas as outras. No entanto, em matéria de saúde pública, não é mais admissível que se mantenham certas recomendações oficiais, como por exemplo os 60% de cereais/amidos modernos até para diabéticos, quando se sabe actualmente que, por exemplo, dietas com características primitivas/pré-agrícolas, portanto isenta destes perturbadores imunitários e do metabolismo da glucose, proporcionam uma melhoria em doenças crónicas da civilização, designadamente na diabetes, condição esta que já atinge mais de 1 milhão de adultos portugueses.



Tags: APNEP, , , nutriscience

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