07 de Novembro, 2009
Sobre a conferência da NUTRISCIENCE com o Dr. Staffan Lindeberg, mais uma grande lição acerca das vantagens para a saúde em geral dos estilos de vida primitivos
Autor: O Primitivo. Categoria: Primitivos| Saúde
Foto: Comida primitiva (à esquerda) vs comida moderna
(à direita). Fonte: Dr. Staffan Lindeberg.
Povos primitivos: peso corporal, pressão arterial e insulina "em baixa"
A conferência com o Dr. Staffan Lindeberg, a que assistimos no passado Sábado (31/Out), foi, a meu ver, mais um extraordinário momento de aprendizagem para quem se interessa por povos primitivos, saúde, nutrição e estilo de vida dos mesmos. O Dr. Staffan explica nos seus artigos que os Kitava constituem uma das últimas oportunidades para estudar humanos de uma sociedade não-industrializada, ou seja, sem a influência dos hábitos nutricionais e sedentários da civilização ocidental. Não tenho hoje já grandes dúvidas de que, só através do estudo destes povos, aos mais diversos níveis - da saúde, nutricional, antropológico, biológico, genético, epidemiológico, etc. - é que conseguiremos perceber o está a correr mal na passagem para a civilização e que tem gerado tantas novas doenças, cuja génese, sempre altamente multifactorial, simplesmente ainda está muito para além da nossa compreensão. E, diria eu, principalmente para além da compreensão dos que se afirmam especialistas nessas mesmas doenças (estava agora a pensar no exemplo de uma nutricionista que falou ontem na SIC, que a propósito de uma reportagem sobre cancro do pâncreas, estava a afirmar categoricamente que o consumo de gorduras saturadas animais são a causa principal dest tipo de cancro (Há alguém que acredite nisto?, veja este artigo e julgue por si próprio) A dieta dos Kitava é baseada em 20% de gordura saturada de óleo de coco, também uma gordura amaldiçoada pelos "especialistas" modernos, mas não consta registo de quaisquer casos de cancro neste povo, à excepção de uma senhora idosa que, provavelmente, morreu com cancro de mama).
Artigos relacionados:
Age relations of cardiovascular risk factors in a traditional Melanesian society: the Kitava Study (pdf)
Cardiovascular risk factors in a Melanesian population apparently free from stroke and ischaemic heart disease: the Kitava study (pdf)
Low serum insulin in traditional Pacific Islanders–the Kitava Study (pdf)
Determinants of serum triglycerides and high-density lipoprotein cholesterol in traditional Trobriand Islanders: the Kitava Study (pdf)
Large differences in serum leptin levels between nonwesternized and westernized populations: the Kitava study (pdf)
Serum uric acid in traditional Pacific Islanders and in Swedes (pdf)
Agrarian diet and diseases of affluence – Do evolutionary novel dietary lectins cause leptin resistance? (pdf)
(Para mais artigos do Dr. Lindeberg, clique aqui.)
Foto 1: Ilha de Kitava, Papua-Nova Guiné.
Fonte: The Kitava Study (1989).
Para começar, gostaria de expressar a minha grande admiração pelo Dr. Lindeberg que, tal como o Dr. Loren Cordain, é uma pessoa altamente prestável, e que na conferência respondeu com grande entusiasmo a TODAS as perguntas da audiência. De toda a sua apresentação, o conceito ou o paradigma que me pareceu mais valorizar foi, algo que para mim não resultou claro da leitura dos seus vários artigos, a importância da COMIDA VERDADEIRA, isto é, da comida primitiva pré-agrícola, consumida pelos povos do paleolítico, geneticamente adaptada ao ser humano. Esta abordagem sobrepõe-se naturalmente ao fraco modelo actual da selecção dos alimentos pelos macro e micro-nutrientes que possam conter, independentemente do seu grau de industrialização e/ou dos anti-nutrientes que lhes possam estar associados (estou a pensar nos cereais "saudáveis", depauperados de vitaminas e minerais, e com vários antinutrientes alergénicos, ao ponto de causarem doença celíaca nos mais susceptíveis). A fotografia acima, apresentada nesta conferência pelo Dr. Lindeberg, é bem ilustrativa disso. Do lado esquerdo temos bananas, figos e nozes, alimentos nutricionalmente densos, ricos em vitaminas e minerais, em gorduras naturais com AG em quantidades/proporções óptimas, etc. E do outro lado, em oposição a tudo isto, temos os alimentos processados da civilização, o pão/trigo, com a sua elevada carga glicémica e os seus anti-nutrientes (lectinas), a margarina, com as suas gorduras vegetais/hidrogenadas, recentemente introduzidas, pró-inflamatórias e já pseudo-oxidadas antes de ingeridas, as fatias de queijo/lacticínios, com quantidades de gordura que não ocorrem naturalmente na natureza, etc. A ideia-chave fundamental é que uma dieta rica em HC de baixo IG e rica em nutrientes é preferível a uma dieta hipeglicémica de cereais refinados e açúcares, por esta ser promotora, a médio prazo, de resistência à insulina/leptina e obesidade!
"The residents of Kitava lived exclusively on root vegetables (yam, sweet potato, taro, tapioca), fruit (banana, papaya, pineapple, mango, guava, water melon, pumpkin), vegetables, fish and coconuts [27-29]. Less than 0.2% of the caloric intake came from Western food, such as edible fats, dairy products, sugar, cereals, and alcohol, compared with roughly 75% in Sweden [30]. The intake of vitamins, minerals and soluble fibre was therefore very high, while the total fat consumption was low, about 20 E% [28], as was the intake of salt (40-50 mmol Na/10 MJ compared with 100-250 in Sweden). Due to the high level of coconut consumption, saturated fat made up an equally large portion of the overall caloric intake as is the case in Sweden. However, lauric acid was the dominant dietary saturated fatty acid as opposed to palmitic acid in Sweden. Malnutrition and famine did not seem to occur."
Fonte: Dr. Staffan Lindeberg.
Morrer aos 70 anos caindo de um coqueiro!
O que há de mais extraordinário neste povo da Papua-Nova Guiné, os Kitava, que apesar de contar com mais de 70% de fumadores regulares entre homens e mulheres, simplesmente não apresenta qualquer prevalência de doenças cardiovasculares, cancro e demais doenças hiperinsulinémicas da civilização? INSULINA BAIXA! Não são hiperinsulinémicos como os suecos ou os demais povos urbanizados do mundo civilizado. Como é sabido, níveis elevados desta hormona anabólica estão associados a maior obesidade abdominal e mais prevalência de hipertensão nas sociedades afluentes, nas quais a insulina, o peso corporal e a pressão arterial tipicamente aumentam com a idade. É este crescimento progressivo da insulina que se julga estar associado à resistência à insulina e a todos os distúrbios metabólicos a ela associados, a tal constelação de sintomas que modernamente se designa por síndroma metabólica. Só para termos uma noção da escala deste problema, convém notar que cerca de 30% da população adulta portuguesa insere-se nesta categoria, é o que dizem os estudos mais recentes (veja-se o PORMETS e o VALSIM). O que o Dr. Staffan Lindeberg nos explica é que nestas sociedades primitivas/tradicionais, portanto não expostas à modernidade e à industrialização, a norma é o peso corporal e a tensão arterial não aumentarem com a idade. O que, convenhamos, seria algo de impensável nas sociedades modernas. Quanto à insulina dos Kitava não se sabe mas, por maioria de razão, deverá também não ter grande variação da juventude para a maioridade e velhice.
No seu artigo "Low serum insulin in traditional Pacific Islanders–the Kitava Study" explica isto mesmo, que a resistência à insulina está intimamente ligada à degradação de uma séries de parâmetros metabólicos preditivos das doenças da civilização, mesmo na ausência da chamada hipercolesterolémia o que, a meu ver, mais não é que uma confirmação adicional de que os lípidos no sangue, ao contrário do que a moderna medicina tanto enfatiza, possuem um papel nitidamente secundário na génese das doenças da civilização, designadamente das cardiovasculares. São meros marcadores. Qualquer cardiologista que esteja a ler isto certamente estará a dizer que esta ideia é um completo disparate mas, se se der ao trabalho de ler, com espírito científico e mente aberta, os últimos artigos que aqui têm aparecido sobre colesterol, rapidamente se aperceberá de que a hipótese lipídica é, de facto, somente isso: uma hipótese.
Foto 2: Ilha de Kitava, Papua-Nova Guiné.
Fonte: The Kitava Study (1989).
Curiosamente, o Dr. Lindeberg na sua apresentação pareceu muito POUCO crente (e para mim isto foi uma certa surpresa) no que respeita aos triglicéridos como marcador independente de risco cardiovascular. Mas pensando bem faz todo o sentido, até porque os Kitava, devido à sua dieta supostamente "high-carb" (eu diria que é mais "medium-carb", porque trata-se de uma dieta moderadamente calórica, de apenas 2200 kcal, e também, conforme explica o Dr. Lindeberg, de baixo IG), conseguem ter TG superiores aos dos suecos. Na prática o rácio HDL/TG dos Kitava é ligeiramente pior que o dos suecos (por causa da sua dieta "high-carb", "low-fat") mas os Kitava desconhecem a morte súbita (por exemplo, por infarto) e os suecos, possuindo das mais baixas mortalidades cardiovasculares, não estão no entanto imunes a estas doenças. Para os Kitava, morrer subitamente é algo de "impossível", as mortes para si naturais são por malária, infecções, queda de coqueiros, acidentes, complicações na gravidez, etc. A esperança média de vida à nascença dos Kitava é de 45 anos (incluindo mortalidade infantil), e essa esperança aos 50 anos é de mais 25 anos, o que não deixa de ser notável para uma cultura com fraco acesso à medicina moderna. O Dr. Lindeberg contou na conferência que quando esteve nas ilhas Trobriand ocorreu a morte de um homem de 70 (setenta) anos que caiu de um coqueiro!
"Despite a fair number of older residents, none of whom showed signs of dementia or poor memory, the only cases of sudden death the residents could recall were accidents such as drowning or falling from a coconut tree. Homicide also occured, often during conflicts over land or mates. Infections (primarily malaria), accidents, pregnancy complications, and old age were the dominant causes of death, which is in agreement with findings among other similar populations. Child mortality from malaria and other infections was relatively high, and the average lifespan was around 45 years. The remaining life expectancy at 45 years of age is more difficult to determine, but may be similar to Swedish figures. The number of people examined with an EKG was too small (n = 171) to be able to draw clear conclusions, but when combined with two similar studies of traditional Melanesian populations, the EKG findings provided additional support for the lack of ischaemic heart disease in the area [25, 26]."
Fonte: Dr. Staffan Lindeberg.
Actividade física, massa muscular e insulina
Foto 3: Ilha de Kitava, Papua-Nova Guiné.
Fonte: The Kitava Study (1989).
O mistério acaba por ser sempre o mesmo: se estes Kitava possuem uma dieta que, afinal, qualquer um de nós consegue reproduzir em suas casas facilmente, uma PALEO DIETA, dieta do paleolítico ou dieta primitiva, então porque razão nós, na civilização, somos hipertensos, hiperglicémicos, hiperinsulinémicos, hiper-obesos e insulino-resistentes, hiper-tudo-de-mau, e eles, pelo contrário, possuem massa muscular, IMC baixo e insulina modesta em todas as faixas etárias? A resposta esta questão só pode estar, naturalmente, no estilo de vida, ou seja, as razões serão necessariamente ambientais, e não genéticas, porque a norma nestes povos primitivos é os indivíduos que imigram adquirirem todas as doenças da civilização poucos anos após terem adoptado os estilos de vida e as comidas industriais (a este respeito veja-se o trabalho do Dr. Weston A. Price). O Dr. Lindeberg refere que nos Kitava existe uma correlação entre massa muscular e insulina, que não é completamente inesperada, dado que a insulina é necessária ao transporte de glucose para as células musculares. Em seu entender, e estou a citar do artigo atrás referido, níveis elevados de insulina em jejum numa população com baixo risco cardiovascular podem ser um marcador de mais massa muscular, e não necessariamente de aumento da resistência à insulina. Por outras palavras, os níveis de insulina estão estreitamente ligados à composição corporal, e serão tanto mais desfavoráveis/elevados quanto esta exceder os parâmetros de povos primitivos como os Kitava.
A seu ver, a usualmente baixa sensibilidade à insulina em indivíduos de meia-idade da civilização pode ser um reflexo da prevalência de síndroma metabólico e das doenças hiperinsulinémicas que a partir daí progridem. Por outras palavras, a insulino-resistência é uma verdadeira epidemia moderna, que cresce em paralelo e serve de base às doenças cardiovasculares, diabetes, cancro, obesidade e muitas outras. De todas as variáveis analisadas nos Kitava, as que possuem maior poder explanatório da ausência de doenças cardiovasculares, designadamente de acidentes vasculares cerebrais (um seríssimo problema em Portugal, designadamente nas ilhas) e doença isquémica coronária são a pressão arterial e a composição corporal, esta caracterizada, como já referido, por baixo IMC (a pessoa mais "gorda" de Kitava tinha IMC de apenas 25 kg/m2) e por massa muscular resultante de níveis de actividade física superiores aos dos suecos, mas não muito (e demais indivíduos da civilização ocidental).
Foto 4: Ilha de Kitava, Papua-Nova Guiné.
Fonte: The Kitava Study (1989).
Lípidos afinal não estimam risco cardiovascular?
De acordo com o Dr. Lindeberg, não são necessários "níveis lipídicos altamente favoráveis" para se verificar ausência de doença cardiovascular em populações humanas, noção esta que é corroborada pelo observado em outros povos primitivos, como os polinésios hortoagrícolas, os nómadas africanos, os esquimós/inuitas e o outros. O perfil lipídico típico dos Kitava é aproximadamente o seguinte: CT 183 mg/dl (as mulheres cerca de 240 mg/dl - um marcador de longevidade, como no Japão?), fracção LDL 120 mg/dl, HDL nos 47 mg/dl e TG em 100 mg/dl. Poderá perguntar-se se estes números, não muito favoráveis (HDL baixo, TG altinho, CT próximo ou igual ao de vários povos modernos), têm alguma coisa a haver com risco cardiovascular ou "perfil aterogénico"? Obviamente que, para os Kitava, não são indicadores de nada, porque este povo tem ZERO de doença cardiovascular (acho que é a isto que modernamente se designa por Medicina Baseada na Evidência). E, por maioria de razão, fará algum sentido pensar que poderão também ser uma causa determinante para os demais seres humanos? Em certa medida, TALVEZ, mas não no sentido em que um cardiologista moderno poderá pensar. Mas então como?
Foto 5: Ilha de Kitava, Papua-Nova Guiné.
Fonte: The Kitava Study (1989).
O Dr. Stephan Guyenet, do Whole Health Source, é de opinião, e não vejo razão para que seja de outra forma qualquer, que os lípidos sanguíneos são, fundamentalmente, marcadores do estilo de vida e da composição da dieta. Se estão alterados não é credível pensar que é porque o nosso fígado está a tentar matar-nos produzindo mais TG e LDL e menos HDL. Se TG estão elevados e HDL em baixa é simplesmente porque a dieta é rica em hidratos de carbono (usualmente dos errados, como o trigo, demais amidos e frutoses modernas) e, porventura, também em gorduras trans dos alimentos industriais que baixam a fracção HDL. No caso dos Kitava esses hidratos são alimentos naturais, não processados ou empacotados, mas para os americanos e europeus esses hidratos resultam, por regra, do alto consumo de cereais/amidos, farinhas/trigo, açúcares, frutoses/HFCS artificiais, etc., portanto de um conjunto de alimentos introduzidos recentemente e para os quais não possuímos genética adaptada. E assim, um rácio TG/HDL elevado será meramente marcador, nos povos modernizados, do consumo deste tipo de alimentos, e não a causa primária de doença cardiovascular. Em relação à insulina, o Dr. Guyenet tem um artigo excelente em que refere que o conceito-cascata "hidratos de carbono => insulina alta => acumulação de gordura" é demasiado simplista, pois o que produz acumulação de gordura corporal (e, claro, muitas "doenças do estilo de vida") é a HIPERINSULINÉMIA CRÓNICA, coisa que os Kitava não possuem. "Com um pâncreas em bom funcionamento e tecidos com adequada sensibilidade insulínica (o que poderá não ser o caso em muitas pessoas das sociedades industriais), uma pessoa saudável pode consumir uma dieta elevada em hidratos e, ao mesmo tempo, manter a glicémia sob controlo. Os picos insulínicos ocorrem, mas são temporários. O resto do dia mantêm-se nos níveis basais. Os Kitava demonstram que os picos de insulina, por si sós, não causam hiperinsulinémia".
"Their blood lipid profile is not what a mainstream cardiologist would expect. In fact, it’s "worse" than the Swedish profile in many ways, despite the fact that Swedes are highly prone to CVD. This suggests that blood lipids are not causing CVD, but are simply markers of diet and lifestyle factors. That’s very easy for me to swallow because it never made sense to me that our livers would try to kill us by secreting triglycerides and witholding HDL. The blood lipid profile that associates best with CVD and metabolic syndrome in the West (but has no relation to them on Kitava) is one that’s consistent with a high carbohydrate intake. Where does carbohydrate come from in the West? Grains and sugar maybe?"
Foto 6: Ilha de Kitava, Papua-Nova Guiné.
Fonte: The Kitava Study (1989).
Hormona leptina? Naturalmente baixa!
No que respeita à leptina, o próprio título do estudo "Large differences in serum leptin levels between nonwesternized and westernized populations: the Kitava study" do Dr. Staffan Lindeberg já diz tudo. Os Kitava apresentam baixos níveis de leptina, níveis estes que não aumentam com a idade. A leptina é uma hormona importantíssima, descoberta em 1994, produzida no adipócito, que suprime o apetite e aumenta o dispêndio de energia. A leptina é um marcador para excesso de tecido adiposo e dos distúrbios metabólicos que lhe estão associados. Os habitantes de Kitava possuem níveis de leptina extraordinariamente baixos quando comparados com os dos suecos. Os níveis de leptina dos jovens é cerca de metade e o dos idosos é cerca de um quarto. Apesar de tudo, nos homens de Kitava, a leptina não está correlacionada com o IMC provavelmente porque essas variações em indivíduos magros estão mais relacionadas com a variação de massa muscular. Tem sido proposta a prega cutânea dos biceps (TSF-triceps skinfold) como o melhor indicador de massa gorda nas mulheres e o BMI como o melhor indicador nos homens. De acordo com o Dr. Lindeberg, esta noção fica ainda mais reforçada pelo facto da leptina não estar relacionada com a circunferência do braço nas mulheres de Kitava após ajustada esta variável para o TSF. Uma pergunta óbvia a colocar é o que causa resistência à leptina. O Dr. Lindeberg propõe que tal resposta seja procurada nos anti-nutrientes introduzidos recentemente na dieta humana com o advento da agricultura e da industrialização. Fala-se aqui naturalmente dos cereais "saudáveis" e das suas lectinas. A este respeito, veja-se o artigo "Agrarian diet and diseases of affluence – Do evolutionary novel dietary lectins cause leptin resistance?.
Presentation of the hypothesis
The global pattern of varying prevalence of diseases of affluence suggests that some environmental factor specific to agrarian societies could initiate these diseases [2,14]. We propose that cereals, the clearest defining dietary difference between an agrarian and non-agrarian diet, could be such an environmental factor. Through previous studies in archaeology [17-25,28,31] and molecular evolution [43,44] we conclude that humans and human leptin system are not specifically adapted to a cereal-based diet, and that leptin resistance associated with diseases of affluence [32-38] could indicate insufficient adaptation to such a diet. As for the constituent(s) of cereals causing leptin resistance as a sign of insufficient adaptation, we propose lectins as a candidate with sufficient properties. Cereal lectins are specific to cereals [48,49], they are present in our food [50,51,54-57], they enter our systemic circulation and have many reported effects in our body including the binding to receptors, such as the insulin receptor, the epidermal growth factor receptor and the interleukin 2 receptor [48,57-75]. Cereal lectins could thus cause leptin resistance either indirectly, through effects on metabolism central to the proper functions of the leptin system, and/or directly, through binding to human leptin or leptin receptor, thereby affecting the function. The intriguing possibility of direct interaction between lectin and the leptin receptor could alter the function of the leptin receptor and translate into diseases of affluence [48,61-63,65,77-82,84-91].
Conclusões
Os Kitava apresentam uma notável ausência de doenças cardiovasculares, provavelmente devido ao seu estilo de vida primitivo e em consonância com a sua evolução biológica. Os estudos do Dr. Staffan Lindeberg, baseados em entrevistas e em electrocardiogramas, confirmam a notável saúde cardiovascular dos Kitava. Não existem casos reportados de doença isquémica do coração ou de AVC aterotrombótico em investigações clínicas entre culturas tradicionais melanésias há mais de 70 anos, mas existem casos de angina de peito e de infartos em populações urbanizadas desde os anos 60. Os Kitava idosos mantêm-se em forma e activos até aos últimos anos, incluindo o caso de um homem que atingiu os 100 anos. São indivíduos que vivem em consonância com a natureza e nela integrados, são magros, activos e com massa muscular. A sua dieta é caracterizada por completa ausência de comidas modernas industrializadas (cereais/amidos, óleos vegetais, margarinas, lacticínios, frutoses/açúcares), e por tudo isto não apresentam a insulinémia crónica dos povos modernizados. Este estilo de vida faz também com que apresentem total ausência de obesidade, baixos níveis de leptina, IMC médio de 22 kg/m2, pressão diastólica "em baixa", bem como modesta insulina e coagulação sanguínea. Toda esta impressionante resiliência e saúde dos Kitava, para o Dr. Guyenet, e é impossível discordarmos desta perspectiva, "representa o estado natural da existência do homo sapiens quando ocupa o seu nicho ecológico preferencial". Em sua opinião, "este nicho é muito amplo, podendo ir desde o carnivorismo puro até ao omnivorismo baseado principalmente em plantas, mas sem incluir grandes quantidades de cereais ou comidas modernas processadas".
"The ideal diet for humans includes a lot of possibilities. I believe the focus on macronutrients is misguided. There are examples of cultures that were/are healthy eating high-fat diets, high-carbohydrate diets and everything in between. What they do not eat is processed grains, particularly wheat, refined sugar, industrially processed vegetable oils and other modern foods. I believe these are unhealthy, and this is visible in the trail of destruction they have left around the globe. Its traces can be found in the Pacific islands, where close genetic relatives of the Kitavans have become morbidly obese and unhealthy on a processed-food diet."
No meio disto tudo, resta a pergunta que vale 1 milhão de euros: "o que causa a hipersinulinémia? A resposta especulativa que se poderá dar é a que resulta deste tipo de estudo comparativo de povos primitivos com os industrializados. Os povos com traços hiperinsulinémicos são justamente os povos sedentários das sociedades industriais, ou até mesmo populações tradicionais que abandonaram os seus hábitos seculares, como por exemplo os índios Pima do deserto do Arizona, para abraçar a vida moderna. Os povos que não apresentam estes distúrbios metabólicos são os povos primitivos e tradicionais que nunca foram expostos aos hábitos alimentares da civilização, como os Inuitas esquimós, os Kuna do Panamá/Colômbia, os Masai do Quénia e, obviamente, os Kitava da Papua-Nova Guiné. É justamente esta a interpretação do Dr. Guyenet, que refere que se podem descartar com segurança as gorduras totais, também as saturadas e os hidratos de carbono como causas de hiperinsulinémia tendo por base os dados observacionais destes povos. A seu ver, "o rasto de destruição metabólica que se seguiu à ocidentalização do mundo é provavelmente, em grande parte, devido ao trigo e ao açúcar refinado". A ideia de que certos tipos de hidratos de carbono, mais do que propriamente os hidratos de carbono em geral são os responsáveis pelas doenças da civilização não é uma ideia nova, existe há mais de 100 anos. O Dr. Staffan Lindeberg é igualmente um defensor deste conceito, e agora se torna para mim mais clara a razão pela qual coloca grande enfoque nas comidas primitivas, não industrializadas, por oposição às de tipo moderno e processadas, e porque não dá tanta primazia às percentagens de macro e micro-nutrientes. Esta é a abordagem mais simples, mas poderosa, mais inteligente! Tendo por bases todas as ideias constantes deste artigo facilmente podemos concluir que o actual enfoque nos macro e micro-nutrientes das comidas é altamente erróneo, porque descarta todos os problemas associados aos inúmeros anti-nutrientes contidos nos modernos alimentos industriais da civilização, em especial o trigo, que o médico cardiologista Dr. William Davis designa por "nicotina alimentar". E como estamos a ver, não é por acaso que este cereal não é assim tão saudável como os "especialistas" nos querem fazer crer, pois não?
"Dietary advice to prevent and treat common western diseases should be designed in accordance with human’s biological heritage as much as possible. Foods that have been part of the human staple diet for less than 10,000 years should be critically examined before they are recommended as staple food. Even the risks with foods that were available during the Paleolithic era (Old Stone Age, approximately 2.5 million - 10,000 years ago), but which may contain anti-nutritional substances, should be carefully examined, in particular foods that are consumed in large quantities on a daily basis."
Fonte: "Old and new concepts of healthy eating". Staffan Lindeberg.
"One common effect of preconceived ideas is their tendency to direct the scientist’s focus towards those dietary aspect that are considered interesting in a trial, such as the proportion of fat/protein/carbohydrate or the amount of some other nutrient. An intervention diet based on meat, fish, vegetables and fruit may, depending on your particular belief system, be described as low glycemic-index, high-protein, low-starch, high-omega-3, low-fat, high-potassium, low-casein, high-folate, low-lectin, or numerous other options. The uncertainty in nutritional science is considerable. The new approach of evidence-based medicine reveals these shortcomings of nutritional science. When nutritional recommendations are called ’evidence based’, the low grade of evidence behind dietary advice becomes obvious."
Fonte: "Problems in nutritional science", Dr. Staffan Lindeberg.
Agradecimento final
Para terminar, deixo um agradecimento muito especial à NUTRISCIENCE, empresa composta por um trio de jovens cientistas/nutricionistas com potencial para revolucionar o panorama da nutrição em Portugal, pois estão a concretizar um trabalho notável, nomeadamente com este ciclo intitulado "Doenças da Civilização", que tem sido excepcional. E já estão anunciando que, no próximo mês de Março de 2010, teremos outra conferência, a terceira, com o Dr. Frits Muskiet, um bioquímico que defende que "as nossas refeições deveriam basear-se no padrão alimentar dos homens primitivos". Uma pesquisa na Pubmed por este autor dá estes 224 resultados, portanto está visto que teremos mais outra notável conferência em Portugal. Aqui no CANIBAIS E REIS daremos a merecida atenção a mais esse evento imperdível, e o tempo já está a contar: faltam só 125 dias!
Ligações relacionadas:
Staffan Lindeberg - Paleolithic Diet in Medical Nutrition
Staffan Lindeberg - The Kitava Study
On the benefits of ancient diets (Staffan Lindeberg)
Pubmed - Kitava Study - all articles (Staffan Lindeberg)
Old and new concepts of healthy eating (Staffan Lindeberg)
Problems in nutritional science (Staffan Lindeberg)
Evolution explains biology (Staffan Lindeberg)
Original human ‘Stone Age’ diet is good for people with diabetes, study finds
Trobriand Islands (Wikipedia)
Living on the isolated island of Kitava (Petro Dobromylskyj)
Keeping it Real: Food (Richard Nikoley)
Whole Health Source:
The Kitavans: Wisdom from the Pacific Islands
Cardiovascular Risk Factors on Kitava, Part I: Weight and Blood Pressure
Cardiovascular Risk Factors on Kitava, Part II: Blood Lipids
Cardiovascular Risk Factors on Kitava, Part III: Insulin
Cardiovascular Risk Factors on Kitava, Part IV: Leptin
Kitava: Wrapping it Up