Canibais e Reis

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05 de Dezembro, 2008

A nova roda dos alimentos ou como não vale a pela tentar reinventar a roda

Autor: O Primitivo. Categoria: Dieta| Mitos

Uma alimentação saudável, à base de amidos e açúcares

"A qualidade da alimentação é determinante na nossa qualidade de vida". É uma frase acertada, que este filme bem intencionado apresenta e com a qual se deve concordar. No entanto, desde o início, o actor Diogo Infante começa por nos impingir a ideia de que um pequeno-almoço "saudável" deve começar com cereais, e de que devemos tomar diariamente 4-11 porções dos mesmos. Os hidratos de carbono / cereais são sempre tão empolados nestas modernas recomendações que aparecem sempre em primeiro lugar, à frente dos nutrientes realmente essenciais à vida: proteínas e gorduras. Esta notícia da RTP é um exemplo típico desta ideia. O lobie cerealífero agradece a recomendação.

Também nos é explicado que agora existe uma nova roda dos alimentos (em que versão estaremos e quando se realizará o próximo upgrade?), originalmente criada nos anos 70 por portugueses, mas na prática, e quem o diz sou eu, sistematicamente copiada da americana, que me parece começou em roda e hoje já vai em pirâmide. Façamos aqui uma breve pausa no filme para uma consulta ao Portal da Saúde, mantido pelo nosso Ministério da Saúde (de Portugal), onde se pode ler o seguinte acerca da tal nova roda alimentar:

"A Roda dos Alimentos é um instrumento de educação alimentar destinado à população em geral. Esta representação gráfica foi concebida para orientar as escolhas e combinações alimentares que devem fazer parte de um dia alimentar saudável.

Utilizada desde 1977, como parte da Campanha de Educação Alimentar “Saber comer é saber viver”, a Roda dos Alimentos sofreu recentemente uma reestruturação, motivada pela evolução dos conhecimentos científicos e pelas alterações nos hábitos alimentares portugueses.

Mantendo o formato circular original, associado ao prato vulgarmente utilizado às refeições, a nova versão subdivide alguns dos anteriores grupos e estabelece porções diárias equivalentes, para além de incluir a água no centro desta nova representação gráfica.

A nova Roda dos Alimentos é composta por sete grupos, com funções e características nutricionais específicas:

* Cereais e derivados, tubérculos – 28%
* Hortícolas – 23%
* Fruta – 20%
* Lacticínios – 18%
* Carne, pescado e ovos – 5%
* Leguminosas – 4%
* Gorduras e óleos – 2%"

Fonte: "A Nova Roda dos Alimentos", Portal da Saúde.

Ora, é pena não estar explícito a que se referem as percentagens em questão, mas o folheto explicativo desta nova roda alimentar, que pode ser obtido aqui, explica que é em peso. Há também uma nota de rodapé na página 2 que diz o seguinte:

"As equivalências alimentares apresentadas tiveram por base valores estabelecidos de nutrientes. Glícidos/hidratos de carbono - nos grupos dos cereais e derivados, tubérculos (28g), hortícolas (6g) e fruta (14g); proteínas - no caso de lacticínios (8g)(onde também se teve em linha de conta o valor de cálcio - 300ml), carnes, pescado e ovo (6g) e leguminosas (6g); e lípidos para o grupo de gorduras e óleos (10g)."

Fonte: "A Nova Roda dos Alimentos", Portal da Saúde.

Como um adulto activo deve consumir, segundo esta roda dos alimentos, umas 10 porções de cereais/dia e como cada porção terá 28 gr de HC, estará a ingerir 280 gr HC/dia só por esta via (há mais HC dos hortícolas, 24 gr HC de 4 doses x 6gr; da fruta, 56 gr de 4 porções x 14 gr HC; e ainda de leguminosas e lacticínios, alimentos também possuidores de HC mas a que a nota em questão não faz referência). Somando apenas os valores aqui quantificados, teremos 360 gr HC/dia (1440 kcal). Admitindo uma dieta de 2800 kcal de energia para um adulto activo, teremos, pelo menos, 50% de energia por via de HC, ou seja, um regime de valor bastante elevado em HC (em inglês, "high-carb"). Nenhuma surpresa até agora.

Se às referidas 280 gr de cereais/tubérculos corresponde 28% do peso, então o peso total em alimentos será 1000 gr/dia, o que só deixa espaço para umas 50 gr de proteínas/dia. Estarei a fazer correctamente as contas? Como a carne/peixe possuem, em média, 20% de proteínas, o tal "adulto activo" fica limitado a 250 gr de carne/peixe por dia, ou ao dobro dia-sim, dia-não. Isto equivale a um pequeno bife ou a um mísero carapau por dia. Para um adulto de 70 kg são apenas 0.71 gramas de proteínas/kg/dia, mas que podem ser aumentadas por via dos lacticínios e leguminosas, para ao menos atingir o valor específico de 0.8 gramas recomendado pela OMS para adultos sedentários, e que deve ser substancialmente superior para adultos activos. O valor resultante é com efeito 62 gr de proteínas (6 gr x 4 porções de carne/peixe; 8 gr x 3 porções de lacticínios; 6 gr x 2 porções de leguminosas), o que significa 0.9 gr proteínas/kg/dia, ou seja, apesar de tudo, uma dieta ainda deficitária em proteínas para um adulto activo. Nenhuma surpresa até ao momento.

Se a energia total a ingerir pelo adulto activo rondar os 2800 kcal/dia, com 1440 kcal de HC (360 gr) e 252 kcal de proteínas (62 gr) , restam 1108 kcal para lípidos (123 gr). Em energia, equivale a uma distribuição de 51.4%, 9% e 39% respectivamente, se é que não me enganei nas contas. Na prática presumo que as percentagens pretendidas, contabilizadas com maior rigor e de acordo com os nutricionistas actuais, resultariam em 60%, 10% e 30% respectivamente. Mais coisa menos coisa.

Muitos lacticínios num frigorífico saudável

Mas voltemos ao filme. Em frente a um prato saudável(?) de salsichas com batatas fritas e um sumo de laranja (estou a falar a sério, veja o filme), Diogo Infante explica-nos que a OMS considera que a obesidade é o maior problema de saúde pública que a Europa terá de enfrentar este século e que em Portugal 35% da população adulta tem excesso de peso e 15% é obesa. As crianças não se ficam por menos, com percentagens de 32% e 11% respectivamente. Mais adiante explica-nos que o frigorífico e despensa dizem muito acerca dos nossos hábitos alimentares, o que até tem lógica pois é aí que se guardam os alimentos (Já agora, abaixo fica uma foto do meu frigorífico num Sábado após compras: carnes de javali/veado "Terras do Bosque" e atum; vegetais salteados "Pingo Doce"; queijo, iogurte natural e quefir; cebolas, brócolos, alho francês e nabos; frutas pouco doces/morangos, bagas/framboesas, cogumelos de Sintra e limão; leite de coco; etc. Demasiadas coisas em plásticos e algumas latas, eu sei).

Mas o frigorífico saudável deve ter, de acordo com o filme, primordialmente "leite gordo, leite meio-gordo e leite magro", substituíveis por queijo. Também lá devemos ter iogurtes, de preferência naturais. Diogo diz-nos que "o queijo também é uma escolha acertada: flamengo, fresco ou outro qualquer, desde que não seja demasiado gordo". Ou seja, estamos proibidos de comer do nosso delicioso e milenar Queijo da Serra! Com estas recomendações e com o higienismo da ASAE, não admira que esteja em extinção. A manteiga também pode estar presente desde que não seja em excesso, o que constitui uma surpresa. Se calhar a Jerónimo Martins/FIMA não quis patrocinar este filme, como o fez na campanha Porquê Margarina, e por isso resolveram não recomendar a substituição da manteiga por "margarinas saudáveis ao coração".

Esgotado o patrocínio do  lobie dos lacticínios, passamos então aos "legumes e hortaliças, que são obrigatórios, sobretudo as couves". É então que o amigo Diogo nos faz a seguinte pergunta-revelatória: "sabia que a couve-galega tem 6 vezes mais cálcio que o leite?". Se assim é, perguntamos nós, então qual a razão de se enfatizar tanto o consumo de leite a expensas do cálcio que tem, se o possui em doses nitidamente muito inferiores à de alguns vegetais? Quanto é que ele disse, 6 vezes menos que a couve-galega? Não deveríamos por isso antes comer mais vegetais deste tipo, podendo prescindir de tantos lacticínios?

Por fim, é referido que "o azeite devia ser a gordura de eleição para cozinhar. As gorduras representam 33% do total de energia ingerida diariamente. Para uma alimentação saudável, seria essencial substituir as gorduras saturadas por gorduras mono-insaturadas. O azeite é uma delas". Tudo muito acertado e sem fazer referência a gorduras vegetais, tão pouco favoráveis à saúde e que abundam, juntamente com as hidrogenadas, por exemplo nas "saudáveis" margarinas. Adiante aparece uma despensa forrada de leguminosas, mais HC a somar aos dos cereais. As restantes recomendações são úteis e prendem-se com aspectos da confecção dos alimentos. Parece que podemos comer peixe fresco, estando bem explicado como saber se está fresco, e também frango, mas "para que seja mais saudável, devem ser retiradas todas as gorduras e peles. Grelhar a carne na chapa, na brasa ou numa frigideira anti-aderente ajuda a diminuir a quantidade de gordura". Pressupõe-se, claro, que a gordura foi retirada porque faz mal. E fará?

Video: Dr. Michael Eades (Protein Power) na Fox News, entrevistado por Bill O’Reilly.

No final do vídeo, uma ténue e apagada menção ao grande veneno da civilização através de um modesto "modere a ingestão de açúcar". Ou açúcares, pois claro, que são os açúcares refinados e necessariamente os amidos, ou seja, os cereais. Mas calma, os cereais não devem ser consumidos em grandes doses, até 11 porções por dia, e a sua constituição não é essencialmente amido, ou seja, açúcares complexos mas que, mais cedo ou mais tarde, inevitavelmente se decompõem em simples? E não devemos ao mesmo tempo moderar a ingestão de açúcares, porque este excesso produzirá facilmente triglicéridos e respectivo tecido adiposo? E então recomendam-me ao mesmo tempo ingerir 60% da energia por via de HC? E se eu for diabético, não terei complicações mais cedo se seguir estes conselhos? Não aumentarão as flutuações de glucose, os riscos de hipoglicémia e a Hb(A1C)? E se eu não for diabético mas quiser evitar vir a ser num futuro mais ou menos próximo? Tudo isto é a mais completa incongruência, não vos parece? E note-se bem, esta injustificável obsessão pela teoria/dogma lipídico desvia o foco das atenções do essencial para evitar diabetes/doenças cardíacas, o controlo glicémico! Pergunte a qualquer pessoa qual o marcador de saúde que considera mais importante. Resposta inevitável: O colesterol (total). E porque não a glicémia em jejum, o teste de tolerância à glucose, a Hb(A1c) ou a insulina em jejum?

Fraca ciência, crédito excessivo

Chegados à data presente, a pergunta que se impõe é como foi possível termos atingido este estado de desorientação, em que se pretende subalternizar o papel extraordinário de nutrientes fundamentais, como o das proteínas e dos lípidos? Porque razão adquiriram as autoridades de saúde e os nutricionistas tão elevado medo das gorduras, ao ponto de se inibirem do consumo de carnes por causa dessas mesmas gorduras? Como foi possível minimizar o papel construtor das proteínas animais, da carne, do peixe e dos ovos, de elevado valor biológico e suporte da evolução do cérebro humano durante milhões de anos? Porquê esta fobia irracional pelas gorduras, criadora de rácios desfavoráveis de ácidos gordos essenciais ómega-3/ómega-6 e de deficiências em gorduras saturadas e de colesterol alimentar? Porque razão abandonámos o hábito tão inteligente de tomar óleo de fígado de bacalhau, rico em ómega-3 e vitamina D? Porque é uma gordura e as gorduras engordam?

Video: Animação alusiva ao Dr. Ancel Keys e o "mito do colesterol"

Tudo isto resulta de uma longa história, repleta de fraca ciência e algumas peripécias, envolvendo coelhos herbívoros com artérias entupidas por colesterol e que se iniciou nos anos 50 do século anterior, quando o Dr. Ancel Keys resolveu publicar o seu paper forjando uma suposta correlação entre ingestão lipídica e doença coronária. Outros se lhe seguiram, ignorando variáveis fundamentais do problema, tais como o consumo de HC e ignorando os percursos metabólicos dos macro-nutrientes, nomeadamente dos HC que, ingeridos em excesso, se transformam no fígado ou no tecido adiposo em triglicéridos. Nessa atura também era desconhecido o facto, só identificado em 1979, de que a aterosclerose resulta essencialmente da oxidação de LDL. E que é contrariada pela presença de HDL, o colestol bonzinho. Estava então instituída a chamada "hipótese lipídica", que rapidamente se transformou no mito do colesterol e dura até hoje. Toda esta falhada teoria está explicada em inúmeros artigos, designadamente o seguinte:

"The food guide pyramid: will the defects be corrected?"

"Abstract: The USDA-sponsored Dietary Guidelines for Americans (DGA) and its Food Guide Pyramid are nutritionally and biochemically unsound. The DGA was nevertheless accepted whole heartedly by nutrition authorities, who took Ancel Keys as their guiding spirit and his lipid hypothesis their mantra. They radically changed the food habits of tens of millions of Americans in a massive human experiment that has gone awry. Much evidence suggests that the current epidemics of cardiovascular diseases, type-2 diabetes, and obesity, even in young children, may be the result. The 2005 changes in the DGA and Food Guide Pyramid will add complexity but will not correct the errors."

Fonte: "The food guide pyramid: will the defects be corrected?"
Alice Ottoboni, Ph.D., Fred Ottoboni, M.P.H., Ph.D.

Na época, tal como hoje, a generalidade da comunidade nutricional aceitou entusiasticamente a hipótese lipídica. As pessoas foram encorajadas a abandonar a manteiga e outras gorduras animais, derivados do leite e ovos. As únicas gorduras aceites passaram a ser as de origem vegetal, ou seja, as margarinas e óleos de milho, girassol, etc.  As carnes vermelhas foram declaradas nocivas por causa das suas gorduras que contêm colesterol, supostamente entupidoras de artérias. Curioso como uma circunstância de época, sem grande fundamento científico, pode condicionar algumas gerações adiante! A hipótese lipídica persistiu assim até à década de 90, altura em que a USDA criou o conceito de pirâmide alimentar, consistindo em 50-60% de HC, 16-20% de proteínas e 30% de gorduras.

Apesar destas actualizadas recomendações, em 1998 as doenças cardíacas não diminuíram, antes se tornaram a causa primária de morte nos EUA, cerca de 31% de todos os óbitos. A prova disto é o número crescente de papers científicos em jornais epidemiológicos, bioquímicos e nutricionais que confirmam relações de causa-efeito entre as recomendações da pirâmide alimentar e o incremento de inúmeras doenças da civilização. Numa graciosa mea culpa, alguns membros proeminentes da comunidade nutricional até reconhecem estes erros, afirmando que promovendo o consumo de HC complexos e afastando todas as gorduras e óleos, a pirâmide alimentar torna-se errónea, porque nem todas as gorduras são nocivas e nem todos os HC complexos são desejáveis. No entanto as recentes actualizações das rodas e pirâmides alimentares oficiais pouco ou nada evoluiram na tentativa de corrigir todos estes problemas e incongruências. Por influência dos lobies alimentar, da medicina, farmacêutico? De todos eles em conjunto, resultado de uma conspiração em larga escala? Ou simples ignorância científica?

Uma roda bastante gasta, suportada por um mito em erosão

Video: "Cholesterol Myths Presentation", pelo Dr. Heath Motley.

Em suma, a "nova roda dos alimentos" portuguesa, em tudo idêntica à pirâmide alimentar americana, todas elas fortemente condicionadas pelo mito do colesterol e das terríveis gorduras assassinas, também nos propõe uma dieta rica em HC (60%), pobre em proteínas (10%) e moderada a pobre em lípidos (30%), que pelas suas características hiperglicémicas facilmente se transforma em hipercalórica (Você por acaso consegue controlar a voracidade do seu apetite consumindo muitos HC e quase nenhuma gordura?). Como é de elevada carga glicémica, tanto mais quanto maior o teor em HC, maior a hiperinsulinémia e, consequente, a desregulação progressiva do perfil metabólico, a resistência à insulina, a intolerância à glucose e o prejuízo dos mecanismos de saciedade. Sabia que quase todas as pessoas obesas, sem doença endócrina específica, partilham estas características?

Como numa dieta baixa em lípidos os HC (amidos/açúcares) excedentários se transformam em triglicéridos, sim, o material de que é feita a nossa "barriga de cerveja", o indivíduo aumenta de peso, ao longo dos meses e dos anos, e pelos 40 ou 50 anos invariavelmente culmina na obesidade. Neste processo ocorre uma degradação progressiva do perfil lipídico, aquilo a que os médicos designam deslipidémia, com redução da fracção protectora HDL, formação de partículas pequenas de LDL, mais triglicéridos, mais inflamação e hipertensão, etc., donde resultam danos cardiovasculares, pré-diabetes, síndroma metabólico, diabetes tipo-2, cancros, etc. Você imagina qual o resultado fina deste estilo de vida, não é?

"The food guide pyramid: will the defects be corrected?"

"Conclusions: "It is no secret that the lipid hypothesis, now dogma, is facing a serious challenge. America’s long dietary experiment with the low-fat, high-carbohydrate diet has failed. Today, there is little doubt that there is a clear temporal association between the "heart-healthy" diet and the current, growing epidemics of cardiovascular disease, obesity, and type-2 diabetes. Many scientific papers and books support this association and explain exactly how and why the low-fat, high-carbohydrate diet causes these diseases. Long-held beliefs that animal fat is the cause of cardiovascular disease and that grain products are the staff of life will not be relinquished without a struggle. The articles and comments widely circulated in the public press, exemplified by the denigration of the "lowcarb" diet and its author, the late Dr. Atkins, are evidence of this struggle. Hope for a solution may well lie with physicians and nutritionists schooled in the biochemistry of nutrient metabolism and open to revisiting past dogmas. As Dr. Sylvan Lee Weinberg, past president of the American College of Cardiology, states in his insightful and courageous critique of the validity of the diet-heart hypothesis: Defense of the low-fat, high-carbohydrate diet, because it conforms to current traditional dietary recommendations by appealing to the authority of its prestigious medical and institutionals ponsors, or by ignoring an increasingly critical medical literature, is no longer tenable."

Fonte: "The food guide pyramid: will the defects be corrected?"
Alice Ottoboni, Ph.D., Fred Ottoboni, M.P.H., Ph.D.

Lípidos, a nossa principal fonte de energia

Acerca da ideia, ou melhor dizendo mito, de que os HC devem constituir a nossa principal fonte de energia, convém ter em conta o facto bioquímico de que, surpresa, os HC não são necessários à vida. Há exemplos de povos de regiões geladas, como os Inut (esquimós), que passam meses a fio com dietas cetónicas (ou cetogénicas), isto é, com uma ingestão mínima de HC, ou até nula. O metabolismo humano pode produzir toda a glucose de que necessita por via das proteínas (neoglucogénese), e pode obter toda a energia que obtinha dos HC unicamente a partir dos lípidos. Embora não sejam essenciais, existe vantagem em consumir uma dose moderada de HC por forma a evitar a neoglucogénese e para beneficiar de micronutrientes importantes como as vitaminas, naturalmente presentes em alguns HC. Do exposto, os nutrientes que deveriam constituir maior fonte de calorias são naturalmente os lípidos.

Repare que não é por acaso que o nosso corpo armazena uma quantidade extraordinária de calorias no tecido adiposo. Por exemplo, os 15% de massa gorda de um indivíduo de 70 kg equivalem a 80.850 kcal (15% x 70 kg x 7700 kcal/kg). Num treino de 1 hora de corrida de fundo um corredor despende somente 600 kcal. Por outro lado, as suas reservas de energia proveniente de HC, sob a forma de glicogénio muscular (400 gr) e hepático (100 gr), dificilmente lhe fornecerão mais de 2000 kcal num treino. É por isso que os limites de corrida de um fundista, a funcionar exclusivamente a HC, dificilmente ultrapassam, sem comer nada a meio, mais que as 2 horas dos 21 km de uma meia-maratona. Convém ter presente que correr tão longas distâncias nunca foi prática diária no percurso evolucionário da nossa espécie.

Não é agora tão óbvio que o nosso corpo prefere armazenar energia sob a forma de gorduras (triglicéridos em tecido adiposo) e que, por isso, logicamente, para que ele não tenha a necessidade de armazenar tantas gorduras, lhe devíamos estar a fornecer mais lípidos? Dito de outra forma, não é tão claro que deveríamos estar a ingerir muito mais gorduras para enviar ao nosso corpo a mensagem de que ele dispõe de um afluxo regular deste nutriente e que, por isso, não necessita de o armazenar em tão grande porção? Conseguirão as modernas autoridades de saúde, aprisionadas em rodas e pirâmides hiperglicémicas e hiperinsulinémicas, depois de toda a contra-informação das últimas décadas, algum dia recomendar  "coma mais gorduras, e menos HC, porque só assim vai emagrecer e melhorar a sua saúde?"

Artigos fundamentais:

The food guide pyramid: will the defects be corrected? (Ottoboni; pdf, 135 kb)
Cholesterol: Myths and Truths (Chris Masterjohn; pdf, 213 kb)
Insulin and It’s Metabolic Effects (Ron Rosedale)
The Bad Science That Created the Cholesterol Con (Maggie Mahar)
How Many Carbohydrates Do You Need? (Lyle McDonald)
Protein Requirements for Strength and Power Athletes (Lyle McDonald)
Know your fats (Weston A. Price Foundation)

Websites:

Cholesterol - You Can’t Live Without It! (Chris Masterjohn)
Body Recomposition Nutrition (Lyle McDonald)
International Network of Cholesterol Skeptics
The cholesterol myths (Uffe Ravnskov)
The great cholesterol con (Anthony Colpo)




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