16 de Outubro, 2009
As famosas “estaninas” (ou será antes “estatinas”?), reduzindo o colesterol “mau” LDL, combatem espectacularmente as doenças cardiovasculares, ou será que na realidade só dão a ilusão estatística de que isso estará eventualmente a acontecer, “benefício” esse que, muito provavelmente, nunca lhe tocará a si?
Vídeo: Estanina reduz risco de acidentes cardiovasculares.
Esta breve entrevista semi-promocional para consumo de estatinas, a propósito do Jupiter-Justification for the Use of Statins in Prevention: an Intervention Trial Evaluating Rosuvastatin, um estudo do lóbie estatineiro do qual eu já falei o ano passado aqui, é ilustrativa da panaceia em que se pretende transformar essa "luta" contra a tão paradoxal hipercolesterolemia de que hoje tanto se fala, embora sem grande solidez ou argumentação científica. Só que o Jupiter é um pouco diferente, foi extraordinariamente bem engendrado, porque a população recrutada nem sequer tinha LDL elevado (era inferior a 130 mg/dl), ou "de risco" como eles dizem, mas apresentava condição inflamatória, evidenciada por proteína C-reactiva acima de 2 mg/l. Supostamente pessoas muito saudáveis, dizem eles, apesar deste estudo ter incidido numa população específica, de homens com mais de 50 anos e mulheres acima dos 60 anos, 41 % dos quais com síndroma metabólico e mais de metade com excesso de peso. Ou seja, não foi por mero acaso que tinham PCR elevada!
Os resultados espectaculares de que se fala na peça, aliás anunciados como se de uma nova descoberta da pólvora se tratasse, de uma redução de 44% das doenças cardiovasculares, 54% no risco de infarto do miocárdio, 48% no AVC e 47% na revascularização arterial / angina instável, verdadeiramente fantásticos, são talvez até demasiado inacreditáveis para ser verdade, não é? É que estes números são sempre apresentados em termos de "risco relativo", isto é, nunca é apresentada a estatística efectivamente relevante, o NNT-número necessário tratar. Trata-se de um artifício estatístico muito conveniente, pois claro. Para exemplificar, vejamos só como foi obtido aquele primeiro número, o 44% referido à globalidade do "sucesso" deste estudo. No grupo placebo estavam 8901 indivíduos e no grupo estatinizado outros 8901. No final do estudo, 251 indivíduos no grupo placebo haviam sofrido evento cardiovascular e no grupo das estatinas apenas 142. Ou seja, em termos comparativos, houve 109 indivíduos que beneficiaram do tratamento, pois não sofreram evento cardiovascular. A redução foi portanto de 43,4% (=109/251), número que os autores do estudo arredondaram (já agora, por excesso) para 44%!
Mas calma, não lhe parece nada estranho aqui? É que de um conjunto de 8901 indivíduos no grupo de intervenção, isto é, de uma quantidade infindável de indivíduos forçados a tomar estatinas durante quase 2 anos, somente 109 indivíduos é que efectivamente tiveram vantagem evidente em tomar essas estatinas. Ou seja, em termos de proporção, em cada 82 indivíduos (=8901/109) que tomou estatinas, apenas 1 deles beneficiou efectivamente do tratamento! Imagine agora que o seu médico lhe propõe tomar um medicamento, mas lhe explica que afinal aqueles 44% de sucesso que você ouviu falar na televisão são uma ficção dos média e que, na realidade, dos 82 pacientes elegíveis para tomar estatinas, apenas e somente 1 (um) deles efectivamente tirará algum benefício disso? Por outras palavras, a tal "amplitude dos benefícios", de que o Dr. fala na peça acima, é praticamente nula. Você optaria por aderir a esse tratamento, cuja probabilidade de ser completamente inútil para si é de "apenas" de 98,8% (o complementar de 1/82=1,22%)? Eu certamente que não!
E já agora, no que respeita à também falada "redução muito significativa de AVC" de que se fala nesta peça televisiva, convém notar que ela simplesmente NÃO EXISTE, é na realidade praticamente NULA, porque apresenta um NNT impressionantemente elevado, de 288. Ou seja, para que 1 (um) único indivíduo evite um AVC por esta via medicamentosa, será necessário estatinizar quase 300 pessoas. Isto é uma "redução muito significativa", faz algum sentido este pseudo-tratamento? Em termos absolutos, no grupo placebo houve 64 eventos de AVC (em inglês, "stroke") e somente 33 acidentes vasculares cerebrais no grupo de intervenção. Portanto, 31 indivíduos aparentemente beneficiaram do tratamento. Mas quantos tiveram de tomar estatinas no grupo de intervenção? "Apenas" 8901 indivíduos, quase 10 MILHARES de indivíduos, dos quais só 31 beneficiaram. Isto é um bocado SURREAL, não lhe parece? E há médicos que nos querem convencer de que isto faz algum sentido, de que AVC tem alguma coisa a haver com lípidos. Se tivesse o NNT resultante seria inferior a, digamos, 20 ou 10. Mas não é, pois não? Até foi 288 nos 2 anos que durou o Jupiter! Por outras palavras, se há coisa na face da Terra que nada tem a haver com colesterol é AVC! O malogrado AVC está intimamente relacionado com hipertensão e diabetes/inflamação, mas não tem mesmo nada a haver com lípidos.
É claro que tudo isto, bem analisadas as estatísticas, é cientificamente inverosímil, mais parece uma brincadeira, é quase mais fácil você ir para o casino e ganhar na roleta do que ser o feliz contemplado de, tomar estinas e, baixando o seu colesterol "mau", isso lhe servir de alguma coisa. Note que o importante a reter desta análise que aqui se apresenta é a de que SE UM TRATAMENTO É ALTAMENTE INEFICAZ NA PREVENÇÃO DE UMA DOENÇA, ENTÃO É PORQUE A HIPÓTESE DE TRATAMENTO QUE LHE ESTÁ SUBJACENTE É IGUALMENTE UM FRACASSO. Isto é da mais elementar lógica Aristotélica, não lhe parece? Mas é exactamente este surrealismo que quem acredita nesta Hipótese Lipídica lhe está a propor. Note bem: baixe o seu "colesterol mau" e terá, em média, uma probabilidade de 1 em 82 de isso lhe produzir qualquer benefício! (E eu já nem vou desenvolver aqui o tema da desonestidade científica deste Jupiter, por ter sido interrompido antes do prazo; é sabido que estatinas não reduzem mortalidade total, nomeadamente quando se fala de "prevenção" primária, e com os casos de diabetes a aumentar, resolveram interromper o estudo a meio, alegadamente devido ao sucesso "retumbante" das estatinas; nem da falácia da conclusão final, que dizia que "In this trial of apparently healthy persons without hyperlipidemia (…)" quando na realidade 41% dos indivíduos tinha síndroma metabólica, uma condição que, como bem sabemos, não faz nenhum indivíduo saudável, nem sequer "aparentemente" porque estes indivíduos, por regra, apresentam aquela barriga insulino-resistente tão típica).
Os valores de NNT do Júpiter pode ser consultados aqui (este documento é bastante interessante). Veja também o artigo da Business Week sobre esta questão dos riscos relativos, absolutos e NNT, e veja também o artigo do Dr. William Ware, um artigo muito abrangente e bem escrito, para entender bem como os riscos relativos nos estudos estatineiros são sempre espectacularmente enfatizados e anunciados na imprensa (a reportagem acima é um perfeito exemplo disso), e como a redução de risco absoluto e o NNT, os números que efectivamente interessam porque representam a medida mais directa do real benefício de um determinado tratamento, são sistematicamente evitados ou ocultados. Já agora, há também este artigo de revisão: Primary prevention of cardiovascular diseases with statin therapy. É pena que ainda não exista uma norma internacional nas publicações científicas que efectivamente obrigue a que sejam publicados os NNT de certos tratamentos, para que as terapias possam efectivamente ser comparáveis na sua eficácia, ou falta dela, através de números com real importância estatistica. De qualquer forma temos de concordar com o Doutor entrevistado, "os estudos são todos consistentes na redução", designadamente consistentes na fraca redução de NNT, porque até ao momento não apareceu nenhuma estatina com NNT de 10 ou 5. Ou seja, quando o jornalista diz que "uma estanina, usada no controlo do colesterol, reduz de forma drástica o risco de doenças cardiovasculares", isso é completamente falso do ponto de vista estatístico, não reduz NADA drasticamente, muito pelo contrário, é na realidade um "tratamento" altamente INEFICAZ! Principalmente na chamada Prevenção Primária, porque não reduz doença coronária nem mortalidade.
Primary prevention of cardiovascular diseases with statin therapy: a meta-analysis of randomized controlled trials. (pdf)
Department of Medicine, University of Toronto, Toronto, Ontario.
BACKGROUND: While the role of hydroxymethyl glutaryl coenzyme A reductase inhibitors (statins) in secondary prevention of cardiovascular (CV) events and mortality is established, their value for primary prevention is less clear. To clarify the role of statins for patients without CV disease, we performed a meta-analysis of randomized controlled trials (RCTs). METHODS: MEDLINE, EMBASE, Cochrane Collaboration, and American College of Physicians Journal Club databases were searched for RCTs published between 1966 and June 2005. We included RCTs with follow-up of 1 year or longer, more than 100 major CV events, and 80% or more of the population without CV disease. From each trial, demographic data, lipid profile, CV outcomes, mortality, and adverse outcomes were recorded. Summary relative risk (RR) ratios with 95% confidence intervals (CIs) were calculated using a random effects model. RESULTS: Seven trials with 42,848 patients were included. Ninety percent had no history of CV disease. Mean follow-up was 4.3 years. Statin therapy reduced the RR of major coronary events, major cerebrovascular events, and revascularizations by 29.2% (95% CI, 16.7%-39.8%) (P<.001 ci .02 and respectively. statins produced a nonsignificant rr reduction in coronary heart disease mortality .13 no significant overall .09 or increases cancer levels of liver enzymes creatine kinase were observed. conclusion: patients without cv statin therapy decreases the incidence major cerebrovascular events revascularizations but not mortality.>
Isto tudo é algo surpreendente para si, não é? Eu confesso que também fico um bocado espantado, não imaginava que esta coisas funcionassem assim, desta forma cientificamente displicente. Antes tinha mais confiança na informação que nos é veiculada pelos médicos, mas estou a deixar de ter, e parece que há boas razões para isso. Como é possível utilizar-se assim a estatística, para tentar credibilizar um medicamento que é um completo fracasso, também porque assenta numa teoria completamente forjada, a de que hipercolesterolemia uma causa ou factor de risco de doença cardiovascular ou do que quer que seja, que não é, porque senão a maioria dos doentes cardiovasculares não estaria até DEFICIENTE EM COLESTEROL quando é hospitalizada? Isso mesmo, doentes com doença cardiovascular não apresentam LDL elevado, apesar da Hipótese Lipídica afirmar isso mesmo, que o seu risco cardiovascular fica aumentado se o seu LDL for elevado. Mas vejamos ao certo porque razão a doença cardiovascular não está no suposto "excesso" de colesterol LDL, mas certamente na condição crónica inflamatória proporcionada por estilos de vida desajustados, porque afinal o objectivo do Jupiter foi reduzir a inflamação de indivíduos sem a tal "hipercolesterolemia" (na realidade acabou baixando a PCR em 37% e as LDL em 50%). A este respeito veja o artigo a seguir, cuja conclusão foi tão somente esta estraordináriao conclusão: "Lipid levels drawn at angiography were not predictive of survival in this population, but initiation of statin therapy was associated with improved survival regardless of the lipid levels. The benefit of statin therapy occurred primarily in patients with elevated CRP." Veja também o artigo de Anthony Colpo sobre o colesterol "mau", o qual eu considero um ARTIGO DE LUXO!, e tire as suas conclusões. Leia com bastante atenção as páginas 85 e 86, onde estão detalhados os efeitos das estatinas para além do abaixamento de LDL. É muuuita coisa não é? Porquê asumir que o abaixamento de LDL é o facto determinante, no meio de tantos factores relevantes?
De facto, como dizia um certo artigo, "não há enfarte nem AVC sem colesterol", o que até é uma grande verdade, porque quem está sem colesterol naturalmente estará morto! O colesterol é essencial à vida, é o nosso próprio corpo que o produz (e regula), nas quantidades que bem entende, intervém em inúmeros processos fisiológicos fundamentais, designadamente na síntese de vitamina D, pelo que não faz qualquer sentido estarmos a condicionar ou a inibir, por via farmacológica, a síntese desta substância reconhecidamente vital. Isto é uma questão de bom senso, não é? Mas o facto é que ele parece escassear na actual medicina, designadamente no meio cardiológico. A morte não é só feita de doenças cardiovasculares, bem pelo contrário, 70% das mortes são por causas não-cardiovasculares, e o que hoje sabemos é que a níveis de colesterol total no intervalo 200-240 mg/dl está associada MENOR mortalidade total. Portanto, a que propósito querer baixar o colesterol total ou o LDL, fará isso algum sentido, acredita mesmo que ele é muito "mau" para a sua saúde? Ou, se calhar, não seria até antes preferível aumentar o seu LDL, caso esteja baixo, para o intervalo 120 a 150 mg/dl, ao qual está aliás associada MENOR mortalidade total?;) Você provavelmente nem imagina que há quem consiga manipular o estilo de vida para ficar com HDL a estoirar pelo telhado acima. Mas a comunidade PALEO sabe bem, porque anda por aí a bombar HDL!
Statin therapy, lipid levels, C-reactive protein and the survival of patients with angiographically severe coronary artery disease. (pdf)
OBJECTIVES: The joint predictive value of lipid and C-reactive protein (CRP) levels, as well as a possible interaction between statin therapy and CRP, were evaluated for survival after angiographic diagnosis of coronary artery disease (CAD). BACKGROUND: Hyperlipidemia increases risk of CAD and myocardial infarction. For first myocardial infarction, the combination of lipid and CRP levels may be prognostically more powerful. Although lipid levels are often measured at angiography to guide therapy, their prognostic value is unclear. METHODS: Blood samples were collected from a prospective cohort of 985 patients diagnosed angiographically with severe CAD (stenosis > or =70%) and tested for total cholesterol (TC), low-density lipoprotein (LDL), high-density lipoprotein (HDL), and CRP levels. Key risk factors, including initiation of statin therapy, were recorded, and subjects were followed for an average of 3.0 years (range: 1.8 to 4.3 years) to assess survival. RESULTS: Mortality was confirmed for 109 subjects (11%). In multiple variable Cox regression, levels of TC, LDL, HDL and the TC:HDL ratio did not predict survival, but statin therapy was protective (adjusted hazard ratio [HR] = 0.49, p = 0.04). C-reactive protein levels, age, left ventricular ejection fraction and diabetes were also independently predictive. Statins primarily benefited subjects with elevated CRP by eliminating the increased mortality across increasing CRP tertiles (statins: HR = 0.97 per tertile, p-trend = 0.94; no statins: HR = 1.8 per tertile, p-trend
Download: Lipid-Jupiter-trial-overview.pdf