09 de Junho, 2011
Paradigmas modernos que não funcionam vs Paradigma evolucionário para a saúde
Autor: O Primitivo. Categoria: Ciência| Primitivos| Saúde
Foto: The Uncontacted Indians of Brazil.
"Os tempos primitivos são líricos, os tempos antigos são épicos, os tempos modernos são dramáticos"
Victor Hugo (1802-1885).
Paradigma evolucionário: primitivos vs civilização
Este artigo consiste num resumo das ideias neste blogue, descrevendo os paradigmas que aborda, e também os paradigmas modernos que questiona. Na prática, pretende apontar o paradigma que, porventura, melhor (ou menos pior) permite ao homem moderno entender as razões que têm conduzido à degradação das suas saúde e qualidade de vida. Como é sabido, esta degeneração física tem-se traduzido numa série de doenças da civilização, tais como as cardiovasculares, a diabetes e o cancro, as quais foram e são ainda, quase ou mesmo totalmente, desconhecidas das sociedades tradicionais e primitivas. Por sociedades tradicionais entendem-se os inúmeros povos neolíticos que não conheceram a revolução industrial, e por sociedades ancestrais os povos do paleolítico, que não conheceram a revolução agrícola. À escala geracional, as diferenças temporais entre estas várias fases da humanidade tornam-se claras quando olhamos para a tabela abaixo.
Fonte: Bastos et. al (2011).
O modelo evolutivo aqui preconizado é o de que os humanos sempre viveram num determinado contexto ecológico, o qual sofreu profundas transformações num curtíssimo espaço de tempo recente, demasiado curto para que a sua genética se pudesse ter completamente adaptado às mesmas. Neste pressuposto, propõe-se que a citada degeneração física moderna pode ser inteiramente explicada por este abandono do nosso nicho ecológico natural, o qual terá sido mais marcante na passagem ao período neolítico, com a introdução da agricultura. Estas dramáticas modificações são transversais a todo o estilo de vida, e resultaram, nomeadamente, numa alteração dramática da dieta humana, hoje constituída na sua maior parte por alimentos jamais consumidos pela espécie humana ao longo da sua evolução. A introdução deste novo combustível em genes eternamente antigos, bem como de novos modos de vida, implica então numa incompatibilidade biológica evidente, na qual residirão provavelmente todas as razões para a referida degeneração humana. A questão crucial consiste então em adoptar este paradigma evolucionário, para tentar entender, à escala das gerações humanas, o que correu mal. Para tal, haverá que identificar quais as mudanças mais determinantes, uma tarefa quase impossível dada a multiplicidade de alterações introduzidas no já citado curtíssimo espaço de tempo, desde o neolítico até à presente data. Apesar de tudo, das as modernas ferramentas que a ciência proporciona, tal tarefa será em parte possível, desde que se tenha a coragem de adoptar o paradigma que interessa, e de abandonar os que não funcionam, mais adiante listados.
É importante referir que não se propõe aqui um abandono da civilização e um retorno ao primitivismo, mas tão somente a adopção de estilos de vida mais adaptados ao nosso perfil genético, como que tentando um realinhamento com a nossa genética ancestral. Se os povos primitivos praticamente desconhecem as modernas doenças da civilização, e por oposição a isto os povos modernos/urbanizados, com o mesmo genoma paleolítico, praticamente inalterado em milhões de anos, estão completamente assolados por elas, então a única forma de entender como se instalam é comparando os factores ambientais de uns e de outros. Este raciocínio parece tão elementar e evidente que seria de esperar que a maior parte da actual investigação científica em saúde/alimentação se centrasse, de forma tão integrada quanto possível, em torno dos aspectos evolucionários/biológicos, antropológicos/culturais, fisiológicos/bioquímicos. Mas infelizmente, e por razões que nada têm a haver com ciência, o que se constata é que a actual abordagem se centra mais em desenvolver medicamentos e tratamentos milagrosos, que propriamente em propor soluções elementares e baratas, baseadas nos estilos de vida primitivos, para tentar contornar a escalada das doenças modernas.
Dada a vastidão deste tema, que o presente artigo não tem qualquer hipótese de abordar em profundidade, apresenta-se a seguir uma série de artigos importantes, que fornecem pistas fundamentais para entender todos os problemas acima referidos, e que são então os seguintes:
- Carrera-Bastos P, Fontes-Villalba M, O’Keefe JH, Lindeberg S, Cordain L. The western diet and lifestyle and diseases of civilization. Research Reports in Clinical Cardiology. March 2011. Volume 2011:2 Pages 15 - 35.
- Cordain L, Eaton SB, Sebastian A, Mann N, Lindeberg S, Watkins BA, O’Keefe JH, Brand-Miller J. Origins and evolution of the Western diet: health implications for the 21st century. Am J Clin Nutr. 2005 Feb;81(2):341-54. Review.
- Eaton SB, Cordain L, Lindeberg S. Evolutionary health promotion: a consideration of common counterarguments. Prev Med. 2002 Feb;34(2):119-23.
- Lindeberg S. Modern Human Physiology with Respect to Evolutionary Adaptations that Relate to Diet in the Past, in The Evolution of Hominin Diets: Vertebrate Paleobiology and Paleoanthropology, 2009.
- Larsen CS. Biological Changes in Human Populations with Agriculture. Annual Review of Anthropology, Vol. 24 (1995), pp. 185-213
- Lutz WJ. The Colonization of Europe and Our Western Diseases. Medical Hypothesis (1995) 45, 115-120
- Cassidy. Nutrition and health in agriculturalists and hunter-gatherers. Nutritional Anthropology.
- Colpo A. The Whole Grain Scam. 2010.
- Diamond, J. Agricultura: o pior erro na história humana?
- Schultz EA, Lavenda RH. As Conseqüências da Domesticação e do Sedentarismo.
- Price WA. Nutrition and Physical Degeneration: A Comparison of Primitive and Modern Diets and Their Effects. New York: Hoeber, 1939.
- Price WA. New Light Obtained by a Study of Primitive Races on Modern Physical Degenerations, Including Dental Caries. The Dental cosmos [Vol. 78] / 1936, Volume: 78, Issue: 8, August, 1936, pp. 853-873.
- Babcock M. Reflections on Reading Weston A. Price – Price’s Dietary Wisdom. 2003.
- Byrnes S. Politically Incorrect: The Neglected Nutritional Research of Dr. Weston Price, DDS. 200?
- Bianco A. Modernidade e degeneração: a crítica de Weston Price. Socitec E-Prints. v. 3, n. 1, p. 34-52, São Cristóvão, Jan-Jul. 2009.
Em complemento destes artigos de referência, e de uma série de outros artigos que podem ser consultados nesta biblioteca on-line, é fundamental a leitura do livro do médico sueco Dr. Staffan Lindeberg, um livro que todos os estudantes de medicina e saúde deveriam ler, e a meu ver o mais importante livro abordando estes temas alguma vez publicado:
- Lindeberg S. Food and Western Disease: Health and nutrition from an evolutionary perspective. 2010.
Paradigma moderno de saúde: o colesterol
A designada hipótese lipídica tem sido, nestes últimos 50 anos, o paradigma reinante para tentar explicar a principal doença mortal da civilização, a cardiovascular, que pode ser subdividida em dois grande tópicos, a coronária e a vascular cerebral. A ideia moderna simplista de que colesteróis bons e maus circulam nas artérias, nelas se depositando ou sendo removidos como se de um cano se tratasse, quando na realidade estão envolvidos processos bioquímicos de altíssima complexidade, deixa muito a dever à ciência. A ideia instalada de que colesterol alto é uma entidade nociva tem pouco suporte do mundo real. Basta para isto notar que nos idosos, a faixa etária com maior mortalidade por doenças do aparelho circulatório, colesterol alto é um marcador de longevidade, de boa saúde e de menor risco de morte nos hospitais e lares de idosos. Inclusivamente, idosos com colesterol alto, após um infarto do miocárdio ou um AVC, têm maior taxa de sobrevivência, e baixar colesterol (e não só) com medicamentos no máximo lhes modifica o tipo de morte, de cardiovascular para cancerosa. Todas estas afirmações podem parecer inverosímeis, dada toda a actual campanha anti-colesterol, mas é isto que os estudos mostram: níveis altos de colesterol parecem ser protectores da vida nas idades em que ocorre maior mortalidade cardiovascular. E não o serão também nas demais idades, alguma razão para que seja muito diference consoante a idade? Acresce a isto que baixar colesterol com medicamentos em pessoas sem DCV, de qualquer idade, não lhes modifica a mortalidade. A ideia moderna de que colesterol alto é um factor causal, e não somente um marcador, em algumas faixas etárias, de risco cardiovascular assenta fundamentalmente nos estudos com estatinas, que ao contrário do que se pensa não baixam somente colesterol, antes produzem múltiplos efeitos com influência no risco cardiovascular. Para além disto, os estudos anti-colesterol, todos eles financiados por lóbies farmacêuticos, que por regra quase excluem mulheres e idosos, recorrem sempre a um foguetório estatístico baseado em riscos relativos, que na realidade se traduzem somente em riscos absolutos diminutos, e também muitas vezes duvidosos dadas as controvérsias. Em relação aos AVC, principal causa de morte do aparelho circulatório em Portugal, interessa referir que não possuem sequer associação estatística com colesterol, e também que quem consome mais produtos de origem animal, mais colesterol e mais gorduras saturadas, tem menor risco de AVC. Outra afirmação inverosímil, bem sabemos, mas é também o que concluem os estudos existentes. O colesterol tem funções importantíssimas em toda a fisiologia humana, está implicado na síntese das mais importantes hormonas, a sua produção é auto-regulada por inúmeros factores, favoráveis e desfavoráveis, pelo que querer modificá-lo medicamentosamente, sem intervir directamente no estilo de vida, consiste em acreditar que uma pílula poderá alguma vez substituir esse estilo de vida. Acredite quem quiser, a ingenuidade humana dá para tudo. Mais uma vez, não é possível desenvolver este assunto em tão curto espaço, antes se deixa abaixo a indicação de alguns artigos fundamentais, para além dos artigos deste blogue, para entender esta estória do colesterol.
- Peat R.Cholesterol, longevity, intelligence, and health. 2007
- Lee L. Cardiovascular Health And Cholesterol Fairy Tales. 2005
- Kane E. Cholesterol. BodyBio Bulletin. 2008
- Barnett O. Cholesterol - Separating Fact from Myth.
- Groves B. The Cholesterol Myth.
- Ware WR. Cholesterol: A Review. Research Report. 2007-08.
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Ellison S. Hidden truth about cholesterol lowering drugs. 2006.
- Colpo A. LDL Cholesterol: Bad Cholesterol, or Bad Science? Journal of American Physicians and Surgeons. Volume 10 Number 3 Fall 2005.
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Colpo A. LDL cholesterol does not cause atherosclerosis or heart disease. 2005.
- Colpo A. A matter of fats. The Great Cholesterol Con. 2006.
- Enig. M, Fallon S. Dangers of Statin Drugs: What You Haven’t Been Told About Popular Cholesterol-Lowering Medicines. 2004
- Masterjohn C. High Cholesterol And Heart Disease - Myth or Truth? 2008.
- Masterjohn C. Cholesterol: Myths and Truths. 2008.
- Ottobonni A, Ottobonni F. The Role of Cholesterol and Diet in Heart Disease. 21 Century. Winter 2004-05.
- Ravnskov U. Cholesterol was healthy in the end. World Rev Nutr Diet. 2009;100:90-109. Epub 2009 Aug 17. Review.
- Ravnskov U. The retreat of the diet-heart hypothesis. Journal of American Physicians and Surgeons. 2003. Vol. 8, Nr. 3, Fall.
- Ravnskov U. A hypothesis out-of-date. the diet-heart idea. J Clin Epidemiol. 2002 Nov;55(11):1057-63. Review.
- Ravnskov U. Is atherosclerosis caused by high cholesterol? QJM. 2002 Jun;95(6):397-403. Review.
- Ravnskov U. High cholesterol may protect against infections and atherosclerosis. QJM. 2003 Dec;96(12):927-34. Review.
- Ravnskov U. The diet argument: ignore what doesn’t fit. How the cholesterol myths are ket alive.
- Ravnskov U. The cholesterol myths (resume).
- Ravnskov U. The Benefits of High Cholesterol. Wise Traditions, WAPF. 2004.
- Maxfield FR, Tabas I. Role of cholesterol and lipid organization in disease. Nature. 2005 Dec 1;438(7068):612-21. Review.
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Wainwright G, Mascitelli L, Goldstein MR. Cholesterol-lowering therapy and cell membranes. Stable plaque at the expense of unstable membranes? Arch Med Sci 2009; 5, 3: 289-295
A meu ver, é importante descartar esta hipótese lipídica o quanto antes, mantida viva por uma mentalidade de rebanho, uma vez que tem sido o pretexto oficial para condenar os alimentos ancestrais/ tradicionais, designadamente os de origem animal, pois são os únicos que contêm colesterol e gorduras saturadas, que supostamente fazem elevar níveis de colesterol, e por isso agravam risco cardiovascular. Com isto mais não se fez que deslocar o enfoque para os alimentos neolíticos desfavoráveis à saúde humana, designadamente cereais/amido e açúcares, agravadores nomeadamente das glicémias em diabéticos, sendo as glicémias/HbA1C persistentemente altas (em todas as pessoas) e a diabetes um real problema agravador das doenças cardiovasculares. Já nem vou aqui falar de toda a mitologia urbana do vegetarianismo, que dia após dia tem visto o seu estudo de base, o CHINA STUDY, ser desmontado em virtude de infindáveis erros metodológicos. As proteínas animais causam cancro, não é assim que eles explicam as vantagens da dieta puramente vegetal, isenta de colesterol? E será que isso resulta em alguma vantagem para a saúde humana, ou porventura vegetarianos até têm uma saúde pior? Obviamente não é racional atribuir as causas de doenças modernas a alimentos antigos, sempre presentes ao longo da evolução humana e sem que tais doenças se manifestassem. Simplesmente, alimentos tradicionais não podem ser os causadores dos males modernos, como agora se pretende fazer crer, recorrendo para isso a outro paradigma moderno e ilusório, o nutricionismo.
Paradigma moderno de alimentação: o nutricionismo
O nutricionismo é um modelo interpretativo moderno da alimentação humana, cuja implementação, ao nível populacional, na realidade nunca funcionou. A sua premissa de base é a de que os nutrientes, sendo constituintes dos alimentos, se sobrepõem a estes no que respeita a definição do que deve ser uma dieta adequada aos seres humanos, isto é, desejavelmente protectora da saúde e evitadora das doenças modernas. Em resultado disto, as dietas ancestrais/tradicionais dos povos, nos quais os alimentos interagem sinergisticamente e num contexto ecológico/antropológico/cultural, resultam completamente descontextualizadas, porque segundo esta ideologia os alimentos que compõem a dieta devem ser escolhidos unicamente em função de certos nutrientes, alegadamente protectores. A única coisa que releva são os macronutrientes, as vitaminas e minerais, as fibras e similares, os aspectos pró-inflamatórios, hiperinsulinémicos e auto-imunitários da dieta moderna acabam sempre menosprezados. Este blogue está inundado de artigos sobre o nutricionismo, ilustrando como tem falhado sistematicamente nos seus objectivos principais, não vale a pena escrever muito mais sobre isto. Baseando-se quase exclusivamente em estudos epidemiológicos, donde extrai causalidade, o nutricionismo "descobriu" que a dieta humana deve agora consistir, na sua maior porção energética, em hidratos de carbono neolíticos, jamais consumidos por humanos ao longo da sua evolução, que provavelmente nem são essenciais e aos quais estão associadas inúmeras doenças da civilização, metabólicas, endócrinas e auto-imunes. Tendo por base esses estudos, ilusórios e distorcidos por efeitos de coorte saudável, chega ao ponto de concluir que cereais podem ser protectores na diabetes, ou até mesmo no evitamento da hipertensão, que o pão evita diabetes e doenças cardiovasculares, acredita que carnes vermelhas causam todas as doenças, que fibras dão longevidade, ou até que protegem contra cancro colorectal, que frutas e vegetais protegem contra cancro, que maçãs prolongam a vida, que gorduras são responsáveis pela obesidade mundial, e também por cancro da mama, etc. Em resultado desta infindável panóplia de mitos, recomenda uma dieta em completa dissonância com a evolução humana, e única para toda a humanidade. Fundamentalmente à base de alimentos neolíticos, rica em carbohidratos e pobre em gorduras totais, inclusivamente para diabéticos, as famosas dietas low-fat, ignorando que o problema está nas glicémias altas, e não nos níveis de colesterol. Naturalmente que depois nos estudos de intervenção, como por exemplo no seu principal estudo low-fat, o Woman’s Health Inititative (WHI), todas essas teorias esbarram com a realidade, por exemplo deteriorando a glicémia em diabéticos, e também agravando doença cardiovascular em quem já a tem. Note-se que neste mega-estudo do WHI a intervenção consistiu em implementar todas as ideias do nutricionismo, uma dieta rica em cereais integrais, frutas e vegetais, privilegiando peixe e carnes brancas, o leite magro e os lacticínios, os óleos vegetais/azeite, a restrição de gorduras totais causadoras de cancro, designadamente das saturadas, etc. Algo muito parecido com uma dieta mediterrânica low-fat, que é a distorção que se faz da dieta mediterrânica tradicional. E vale a pena estar ainda a citar o Diet and Reinfarction trial (DART), no qual a redução de gorduras na dieta duplicou mortalidade por AVC, algo de perfeitamente previsível? Ou por exemplo as intervenções low-fat que agravam fígado gordo em obesos? Em suma, pelo menos em minha opinião, o nutricionismo mais não tem sido que uma ciência incompleta, excessivamente sobrevalorizada, mais ao serviço de interesses de lóbies alimentares que da alimentação, o que só tem degradado a dieta humana moderna. Quem analisa o seu histórico, depara-se com uma série de fracassos, mas que são sempre mais ou menos omitidos. Seguem-se alguns artigos essenciais para entender esta ideologia:
- Scrinis G. On the Ideology of Nutritionism. Gastronomica, Vol.8, No.1, February, 2008, pp.39-48.
- Scrinis G. Sorry Marge. Meanjin, Vol.61, No.4, 2002, pp.108-116.
- Pollan M. Nutritionism defined & Nutritionism comes to market. in In Defense of Food: An eater’s manifesto. Chapters 2 & 3. Penguin Press HC, 1st Ed. 2008.
- Pollan M. Unhappy Meals. The New York Times. 2007.
- Schwenkler J. Nutrition and Tradition. The New Atlantis, pg. 125-128. Summer 2009.
- Mozaffarian D, Ludwig DS. Dietary guidelines in the 21st century–a time for food. JAMA. 2010 Aug 11;304(6):681-2.
- O’Meara C. Nutritionism: The Wrong Way. Cyndi O’Mear Reports. 2008.
- Bunderson V. Rescuing Foods from the Evil Grasp of Nutritionism. Dr. Drandma’s. 2010.
- Taubes G. The Soft Science of Dietary Fats. Science 30-03-2001.
- Taubes G. What if It’s All Been a Big Fat Lie? New York Times, 07-07-2001.
- Hite AH, Feinman RD, Guzman GE, Satin M, Schoenfeld PA, Wood RJ. In the face of contradictory evidence: report of the Dietary Guidelines for Americans Committee. Nutrition. 2010 Oct;26(10):915-24.
- Ottobonni A, Ottobonni F. Low-Fat Diet and Chronic Disease Prevention: the Women’s Health Initiative and Its Reception. Journal of American Physicians and Surgeons Volume 12 Number 1 Spring 2007
- Ottobonni A, Ottobonni F. The Food Guide Pyramid: Will the Defects Be Corrected? Journal of American Physicians and Surgeons Volume 9 Number 4 Winter 2004.
- Colpo A. Why the Low-Fat Diet is Stupid and Potentially Dangerous. 2006.
- Colpo A. Common myths about low carbohydrate diets. The Omnivore. 2002.
-
Colpo A. The Whole Grain Scam. 2010.
- Bianco AL, Cassiano AC. Superalimentados, mas subnutridos: um diagnóstico do sistema alimentar industrial. Ambiente & Sociedade. Campinasv. XII, n. 1, 203-206. Jan-Jun 2009.
Paradigma moderno de causalidade: a epidemiologia
Cenouras que fazem bem aos olhos, espinafres que dão músculos, alhos que evitam a osteoartrite, azeites que protegem o fígado, maçãs que curam doenças, etc. Todos nós ouvimos estas infindáveis fantasias nas notícias, todos os dias, anos após anos. Será alguma delas realmente verdade? A epidemiologia observacional, tal como o próprio nome indica, consiste em observar as características de populações, os seus estilos de vida, tipos de dieta e parâmetros bioquímicos, e em cruzar estes dados com as respectivas consequências na saúde/doença e na mortalidade/longevidade. Um exemplo muito completo e abrangente disto é o CHINA STUDY, cujos dados observacionais foram compilados na respectiva base de dados, o CHINA PROJECT. Só deste estudo resultaram cerca de 3.700 associações estatísticas, de elevada significância e com correlação superior a 0,5, mas a maior parte delas são apenas isso, meras associações estatísticas sem qualquer nexo causal. O problema eterno estará sempre em conseguir diferenciar as verdadeiras/causais das ilusórias/meras associações estatísticas. Na maior parte dos casos, não existe sequer plausibilidade biológica, nem se observa dose-resposta, ambos preceitos essenciais, para além da associação estatística e da consistência nos estudos, da causalidade de Bradford-Hill. Apesar disto, a norma oficial tem sido extrair causalidade unicamente com base nestes estudos, quase todos eles mal ajustados estatisticamente. Por regra, não se pode demonstrar causalidade sem recurso a estudos de intervenção, os quais são obrigatoriamente de curto prazo e, por isso mesmo, inextrapoláveis para o longo prazo. E possuem sempre inúmeros problemas inerentes à própria metodologia, ou quanto mais não seja efeitos estranhos resultantes do simples facto de indivíduos em estudo modificarem o seu comportamento. E se não é possível realizar estudos de intervenção de longo prazo, controlando rigorosamente todas as variáveis, porque humanos não são ratos de laboratório, então não será jamais possível concluir nada a sério. Quando muito dá para ter umas pistas, mas nenhumas certezas. Um exemplo clássico de inferência causal, sem prova factual de causalidade, é o azeite elixir do coração, fenomenal em imensos parâmetros bioquímicos, mas ainda sem demonstração prática na saúde cardiovascular até aos dias presentes. E há dezenas de outros exemplos. Isto não quer dizer que o azeite não seja mesmo bom, mas falta prova-lo. Diria mesmo que todas as notícias que nos apresentam diariamente, sem excepção alguma, resultam deste tipo de inferências ou palpites, a maior parte delas sem base efectivamente científica, porque sistematicamente se atropelam os critérios de causalidade. Em bom abono da verdade, o corpo humano é um sistema tão complexo que é impossível explicar/entender, ainda que parcialmente, os mecanismos fisiológicos/bioquímicos, por mais simples e evidentes que estes possam ser.
A norma tem sido ignorar-se a plausibilidade biológica e extrair causalidade de estudos observacionais, a gosto e segundo a conveniência. Este procedimento é naturalmente a fonte de todos os mitos actuais da alimentação, sem excepção, porque naturalmente essas meras teorias, embora nos sejam sempre apresentadas como factos consumados da ciência, na realidade baseiam-se mais em palpites e convicções pessoais, de investigadores apostados em provar a sua tese, que propriamente naquilo que, em inglês, se designa por "hard science". Por exemplo, afimar que bróculos protegem contra o cancro, sendo o cancro uma doença altamente multifactorial e sem causas claras, constitui um imenso salto de fé. A moderna epidemiologia move-se em terrenos muitíssimo subtis, de associações fracas (riscos relativos sempre inferiores a 2.0) às quais se atribuiu causalidade sem perfeita compreensão da plausibilidade biológica. Isto para apenas, uns anos mais tarde, se vir a confirmar que essas fracas verdades, afinal, simplesmente estavam confundidas por outros factores realmente causais. Posto isto, torna-se muito simples perceber as grandes limitações dos estudos epidemiológicos, não podem ser usados isoladamente como tem sido a norma. Este blogue tem vários artigos sobre a epidemiologia, não necessariamente fantásticos, mas pode ler esses artigos aqui. Em suma, a epidemiologia pode ser muito sugestiva, mas também não serve como paradigma de base. Então, se todos os paradigmas na realidade falham, qual o paradigma que sobra?
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Taubes G. Epidemiology Faces Its Limits. Science; Jul 14, 1995; 269, 5221.
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Harper K, Armelagos G. The changing disease-scape in the third epidemiological transition. Int J Environ Res Public Health. 2010 Feb;7(2):675-97. Epub 2010 Feb 24. Review.
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Fraser GE. A search for truth in dietary epidemiology. Am J Clin Nutr. 2003 Sep;78(3 Suppl):521S-525S.
- Ioannidis JP. An epidemic of false claims. Competition and conflicts of interest distort too many medical findings. Sci Am. 2011 Jun;304(6):16.
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Freedman BH. Lies, Damned Lies, and Medical Science. The Atlantic. Nov-2010.
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Ioannidis JP. Why most published research findings are false. PLoS Med. 2005 Aug;2(8):e124. Epub 2005 Aug 30.
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Ioannidis JP. Contradicted and initially stronger effects in highly cited clinical research. JAMA. 2005 Jul 13;294(2):218-28.
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Berger VW, Ioannidis JP. The Decameron of poor research. BMJ. 2004 Dec 18;329(7480):1436-40.
- Rocha E. Investigação epidemiológica: uma visão geral. Revista Factores de Risco.
Paradigma ancestral de saúde: a evolução humana
Falhados todos os paradigmas modernos, resta-nos a abordagem evolucionária à promoção da saúde humana. A saúde humana é naturalmente uma preocupação universal, pois dela depende o bem estar das pessoas e toda a vitalidade das sociedades. Como referido, as sociedades modernas estão actualmente sujeitas a autênticas epidemias de doenças desconhecidas das sociedades primitivas. Entre estas condições, que não são de forma alguma naturais aos seres humanos, destacam-se as doenças cardiovasculares por serem as que produzem mais mortalidade, e cuja génese é altamente multifactorial. E é precisamente por esta razão que, quando se tentam isolar factores causais da doença cardiovascular, fazendo crer que os mesmos são únicos e decisivos, todas as teorias falham. Aqui faz muito sentido pensar em termos de redundância, um conceito muito comum em engenharia. Ora, em termos evolutivos, não existe qualquer razão para pensar que os organismos biológicos não possuam também muito elevados níveis de redundância. A altíssima adaptabilidade dos seres humanos, a todos os tipos de dietas e a condições ambientais extremas, é uma prova inequívoca disso. Se assim não fosse, jamais teríamos sobrevivido a 2.4 milhões de anos de evolução. Transpondo este raciocínio para as doenças modernas, e em particular para as doenças cardiovasculares, para que se instalem, terão necessariamente de estar presentes múltiplos factores desfavoráveis que, actuando sinergisticamente, conduzem a falhas múltiplas e, por fim, à ruína do sistema biológico, os eventos cardiovasculares. O que existe de verdadeiramente poderoso nesta abordagem é justamente não desprezar esta multifactorialidade na instalação das doenças da civilização, e o facto de as tentar explicar da forma biologicamente mais racional que a actual ciência permite, estudando os estilos de vida dos povos primitivos e comparando-os com os dos povos modernos/urbanizados. Trata-se de um paradigma baseado na evolução humana, e por isso o mais poderoso (ou menos fraco?) e que verdadeiramente faz sentido.
O homo sapiens possui uma genética adaptada ao ambiente paleolítico, o que é evidenciado pelo facto de povos caçadores-recolectores, minimamente influenciados por hábitos modernos, possuírem marcadores de saúde superiores aos de povos modernos/urbanizados. Estes marcadores consistem em: composição corporal mais saudável (menores IMC, diâmetro da cintura e pregas cutâneas), maior capacidade atlética/aeróbica (maiores VO2máx), menor incidência de doenças degenerativas, menores níveis de colesterol total (a meu ver, um parâmetro provavelmente irrelevante), modestas pressões arteriais (que se mantêm inalteradas com o avançar da idade), menores níveis de insulina e leptina, melhor acuidade visual, melhor saúde óssea e menos fracturas, etc. Não existe qualquer razão para pressupor uma superioridade genética de povos primitivos, pois quando estes são expostos ao estilo de vida dos povos modernizados, por exemplo imigrando para as grandes cidades, a sua saúde rapidamente se degrada de forma idêntica à destes últimos, e também se reverte inversamente assim que retornam ao seu/nosso nicho ecológico preferencial, o designado ambiente ancestral. Estas evidências ilustram como a saúde primitiva é determinada primordialmente por factores ambientais, e ainda mostram que não existe adaptação genética suficiente capaz de proteger povos primitivos das doenças da civilização que adoptem estilos de vida modernos.
E o que é isso do ambiente ancestral? É o meio ambiente que mais influenciou e em que o genoma humano foi modelado. Tendo por base as análises fóssil, arqueológica e geológica dos hábitos dos povos primitivos, cujas dieta e estilo de vida se assemelhavam mais ao estilo de vida paleolítico, apesar das diferenças entre dietas/estilos de vida, condições geográficas e climáticas e nicho ecológico, todos eles tinham características comuns. Por exemplo: exposição solar regular, padrões de sono em sincronia circadiana, actividade física regular (para conquista de alimentos e de abrigo/segurança) e certos tipos de alimentos. Aqui realçaria novamente a questão da redundância, que funciona nos dois sentidos. Se uma conjunção de factores desfavoráveis conduz às doenças da civilização, por oposição a isto, a adopção de factores favoráveis conduzirá sinergisticamente à nossa melhor expressão genética, e assim à ausência dessas doenças modernas. Ainda que existisse uma marcada diferenciação bioquímica entre indivíduos, quando estes são expostos ao mesmo ambiente moderno (dietas oficiais, sedentarismo, sono inadequado, falta/excesso de exposição solar, drogas recreacionais, tabagismo, poluição, etc.), ambos exibem uma expressão sub-óptima do seu fenótipo, com resultados patológicos que dependem do seu genótipo.
Conclusões finais
Mediante todas as inconsistências apontadas no entendimento das causas das doenças modernas, designadamente das doenças cardiovasculares, o paradigma mais robusto consistirá então, necessariamente, em estudar os povos primitivos e a sua fisiologia, buscando os níveis nos variados parâmetros bioquímicos para os quais se consiga estabelecer um reconhecido nexo de causalidade, explicando minimamente os mecanismos. Entre estes compreendem-se, com carácter cronicamente elevado, a inflamação dos tecidos, promovida por rácios ómega3/6 desregulados, a hiperglicémica, traduzida em HbA1C em alta, a hiperinsulinémia, que consiste em insulina sempre em alta, etc. A actual hiper-obssessão-compulsão, por parte da moderna cardiologia, estritamente focalizada em lípidos sanguíneos/colesterol, e descurando por completo os demais parâmetros já citados, pelo seu reducionismo, tem sido um completo fracasso, o que só é evidenciado por toda a controvérsia em torno dos estudos com estatinas. Repare-se que todas as actuais recomendações alimentares e de saúde assentam unicamente nesta ideia (errada), a de que para reduzir doenças cardio se devem baixar níveis de colesterol a qualquer custo (hipótese lipídica), secundarizando assim todos os efeitos pró-inflamatórios, hiperglicémicos e hiperinsulinémicos a ela subjacentes. Ao ignorar-se a "floresta" (de parâmetros bioquímicos), e apostando apenas numa das suas "árvores" (o colesterol), está-se implicitamente a fazer uma arriscada aposta de tudo ou nada. E em decorrência disso a aniquilar toda uma abordagem evolucionária e multifactorial, a única que realmente faz sentido. Estes vários assuntos estão desenvolvidos neste blogue, por isso não me vou estender mais. Pesquise por si próprio, e rapidamente concluirá que a maioria das modernas certezas, na realidade, não passam de grandes equívocos.