23 de Janeiro, 2010
Nutriticionismo, uma ideologia que defende que o valor de um alimento depende essencialmente de alguns dos seus nutrientes, e não da sua substância integral e/ou contexto evolucionário, uma teoria sem prova científica que naturalmente agrada imenso aos lóbies alimentares, pois é a única forma de se “validarem” pseudo-alimentos como a margarina
Vídeo: FOOD NEWS: Michael Pollan: In Defense Of Food
Em Dezembro de 2009, o nosso Jimmy Moore escrevia que Obama Should Select Author Michael Pollan To Lead USDA. Pelo que tenho lido de Michael Pollan, estou plenamente convencido que a sua filosofia, baseada mais em bom-senso que em ideologias como o Nutricionismo, traria o grande benefício da desindustrialização, ainda que parcial, da comida. Mas, como é evidente, a lógica dos lóbies alimentares é exactamente outra, é a da sempre progressiva produção/ industrialização da cadeia alimentar. Mas para conseguirem o seu objectivo, ou seja, UNICAMENTE ganhar mais dinheiro, necessitam de "validar" o suposto valor nutricional suas "junk-foods", atribuindo-lhes uma alegada capa de "saudável". Como consegui-lo? Através de uma ferramenta supostamente científica mas que, em simultâneo, seja suficientemente reducionista para ignorar as superiores vantagens dos alimentos ancestrais/tradicionais, o Nutricionismo. Note-se que isto resulta numa autêntica mina de ouro para os lóbies alimentares, porque enquanto se fala de nutrientes (e não de alimentos), todas as "junk-foods" podem ser manipuladas no sentido de se lhes injectarem mais dos nutrientes bons, ainda que a base seja um lixo, como é o caso das "margarinas saudáveis". Sim, o exemplo perfeito do fracasso desta ideologia é a margarina . Apesar de se tratar de um pseudo-alimento de inferior qualidade, altamente processado e nocivo à saúde, potenciador de doença cardiovascular e cancro, a margarina é no entanto promovida como se de um santo-graal se tratasse. Ilusões! Por razões idênticas, chegámos ao ponto anedótico de médicos cardiologistas "de topo" defenderem que a manteiga seja banida da cadeia alimentar. Não admira por isso que a margarina seja o "alimento" favorito (e o mais fácil) de criticar por quem realmente entende algo de nutrição.
Todos os autores e instituições (como, por exemplo, a Fundação Weston A. Price) que defendem uma primazia dos alimentos sobre os nutrientes, a meu ver, possuem muito maior credibilidade que os restantes. Isto porque ainda não perderam o foco do essencial: a comida! E se esses alimentos forem os ancestrais/tradicionais, produzidos em respeito pela natureza, de agricultura biológica, não-modificados geneticamente, ainda melhor. A este respeito, não posso deixar de também citar o trabalho do Dr. Staffan Lindeberg, que adopta igualmente esta postura. Eu relatei isto no artigo sobre a sua conferência em Lisboa, curiosamente o mesmo fim-de-semana em que me ofereceram o "In Defense of Food", de Michael Pollan. Para este autor, o Nutricionismo representa uma visão reduccionista da nutrição humana porque interpreta os alimentos como sendo uma mera colecção de nutrientes, desgarrados do valor intrínseco dos alimentos em si. Pior do que isto, o seu único ideal é a optimização da saúde, e para esse efeito prende-se a uma interpretação limitada de marcadores fisiológicos (lipídicos, metabólicos, clínicos, etc.), ignorando por completo todo o paradigma humano resultante da sua evolução, antropologia e cultura. Por outras palavras, comer não significa somente alimentar-se para ficar saudável.
A seguir deixo algumas ligações relacionadas com este tema, o do Nutricionismo como ideologia (Ao longo da minha vida, sempre ouvi dizer que "todos os ismos são maus"; ao que parece, este também não foge à regra). Num artigo em separado, porque o autor em questão merece esse destaque, referirei o trabalho de Gyorgy Scrinis.
Unhappy Meals, by Michael Pollan (New York Times)
Pollan: A history of ‘nutritionism’
Nutritionism: What Is It and Why Is It Ruining Our Diet?
NY Times: Michael Pollan on Nutritionism
Nutritionist Michael Pollan Accepts No Imitations
Nutritionism (Wikipedia)
"Nutritionism comes to market"
"No idea could be more sympathetic to manufacturers of processed foods, which surely explains why they have been so happy to jump on the nutritionism bandwagon. Indeed, nutritionism supplies the ultimate justification for processing food by implying that with a judicious application of food science, fake foods can be made even more nutritious than the real thing. This of course is the story of margarine, the first important synthetic food to slip into our diet. Margarine started out in the nineteenth century as a cheap and inferior sustitute for butter, but with the emergence of the lipid hypothesis in the 1950s, manufacturers quickly figured out that their product, with some tinkering, could be marketed as better--smarter!--than butter: butter with the bad nutrients removed (cholesterol and saturated fats) and replaced with good nutrients (polyunsaturated fats and then vitamins). Every time margarine was found wanting, the wanted nutrient could simply be added (Vitamin D? Got it now. Vitamin A? Sure, no problem. But of course margarine, being the product not of nature but of human ingenuity, could never be any smarter than the nutritionists dictating its recipe, and the nutritionists turned out to be not nearly as smart as they thought. The food scientists’ ingenious method for making healthy vegetable oil solid at room temperature--by blasting it with hydrogen--turned out to produce unhealthy trans fats, fats that we now know are more dangerous than the saturated fats they were designed to replace. Yet the beauty of a processed food like margarine is that it can be endlessly reengineererd to overcome even the most embarrassing about-face in nutritional thinking--including the real wincer that its main ingredient might cause heart attacks and cancer. So now the trans fats are gone, and margarine marches on, unfazed and apparently unkillable. Too bad the same cannot be said of an unknown number of margarine eaters."