22 de Junho, 2010
PARA ALÉM DO CERCADO, reflexões do Sr. Robert Lyle (1920-2002?), um dos fundadores do CRLI e do Grupo Lobo
Autor: O Primitivo. Categoria: Livros| Primitivos
Vídeo:
Este artigo constitui uma singela homenagem à memória do Sr. Robert Lyle (1920-2002?), um dos fundadores em 1989 do CRLI e do Grupo Lobo. O CRLI-Centro de Recuperação do Lobo Ibérico é uma instituição em Portugal com o objectivo de, segundo o próprio, "proporcionar um abrigo para lobos feridos e promover um novo lar para lobos mantidos em más condições de cativeiro". O Sr. Lyle, de origem inglesa e pessoa profundamente espiritualizada, embora não sendo biólogo, fruto da sua experiência no CRLI, deixou-nos uma série de reflexões, no seu livrinho LYCOPTOS, que merecem ser lidas e passadas às gerações futuras. Penso que faleceu em 2002, ano logo após ter publicado este seu ensaio sobre o lobo ibérico. O vídeo acima, extremamente raro e difícil de encontrar, foi filmado no CRLI há quase 2 décadas, e nele se pode ver o Sr. Lyle em convívio com os "seus" lobos. Mais abaixo segue-se um curto extracto do seu maravilhoso LYCOPTOS. Se quiser, pode também ver algumas fotos de lobos do CRLI aqui. Muitos dos grandes "portugueses", os que realmente se preocuparam com o nosso país, quase sempre foram estrangeiros. Eu sou um confesso apaixonado pelos lobos, por tudo o que eles representam de selvagem, de primitivo e de comunhão com a Natureza. O lobo ibérico é um animal historicamente injustiçado, e actualmente em perigo de extinção. Por isso, merece agora ser acarinhado e preservado. E ainda nos resta tempo para isso, embora já não muito!
LYCOPTOS, Sr. Robert Lyle
"Costuma-se dizer que o nosso semelhante mais próximo no mundo animal é o chimpanzé. Geneticamente falando, talvez seja assim, mas socialmente e psicologicamente penso que estamos muito mais próximos do lobo. Talvez por esta razão, desde há centenas de anos, tenhamos disfrutado de uma relação de simbiose com o descendente do lobo, o cão doméstico. Talvez seja também uma das razões pelas quais tenhamos escolhido o lobo como nosso bode-espiatório, forçando-o a suportar a ferida do inaceitável - que são os elementos rejeitados da nossa psique - e perseguindo-o até ao limiar da estinção.
Mas aqui apenas se inclui a nossa neurose psíquica. É tempo para crescermos, para encontrarmos a coragem e a integridade de reconhecer - e abandonar - as nossas projecções. Não podemos ser indivíduos simultaneamente alienados e realizados. Ao longo dos anos, a observação e a companhia dos lobos ajudou-me a encontrar não só o lobo, mas também a mim próprio.
Como Loren Eiseley escreveu: "um indivíduo não se encontra a si próprio enquanto não conseguir captar o reflexo de um olhar que não seja humano". Tendo sido a sua relação específica com os humanos, desde longa data, tão desfavorável (embora não com todos os humanos), o lobo constitui uma espécie de desafio. Se conseguirmos cessar as nossas projecções e nos olharmos - e também ao lobo - com honestidade, poderá dar-se o início de uma nova redenção e o retorno do exílio dos seres do Éden que já fomos.
Em tempos recentes, muitas pessoas têm procurado conforto e até curas junto da companhia de orcas e golfinhos. Posso testemunhar da minha experiência que a companhia dos lobos também é terapêutica. Sendo mamíferos terrestres como nós, os lobos são, num todo e ao mesmo tempo, selvagens, ordeiros e introspectivamente calmos. Ao observá-los, estando com eles, a mente perturbada se ameniza e o coração inquieto encontra paz na margem das águas cristalinas do rio da vida.
Acredito que o propósito da nossa existência na Terra é cada um ser o que é, verdadeira função e direito fundamental de todos os seres vivos, sobre o qual deveria assentar toda a nossa moralidade e ética. No nosso caso, este imperativo quase que exige uma vida inteira dedicada a tornar-mo-nos o que somos, enquanto que os animais não têm de realizar essa jornada interior; eles já lá estão."
in LYCOPTOS, Sr. Robert Lyle (1920-2002?).
Publicado pela Wolf Society of Great Britain, LYCOPTOS (2001) é um estudo que descreve e compara as vivências e comportamentos, ao longo de 12 anos de observações, de três alcateias de lobos ibéricos no cativeiro da Malveira. Apresenta uma visão alternativa às teorias científicas tradicionais do comportamento dos lobos, que o autor acredita serem rígidas e inadequadas para abranger a riqueza e variedade de comportamentos que testemunhou durante a sua longa associação com os lobos ibéricos. Livro de interesse para estudantes e professores de etologia, e também útil para estudantes de biologia e zoologia, assim como para responsáveis pela gestão de animais em cativeiro. Uma reflexão profunda acerca do percurso na Terra dos animais humanos e não-humanos. |
“Lycoptos: A Comparative Study of the Ways of Iberian Wolves in Three Captive Packs”, de Robert Lyle, ISBN: 0953473511. O Sr. Robert Lyle nasceu em 1920 em Uppingham, Rutland, Inglaterra. Estudou composição no Royal College of Music antes de ingressar no exército em 1940, tendo depois prestado serviço no Cairo e no norte de África. Após a I Guerra, dedicou-se ao jornalismo. Aderiu à associação espiritual Subud em 1960, tendo-se mudado para Itália. As suas publicações incluem ‘Mistral’ (C.U.P. 1953 e Aliscamps, Paris 1994), ‘Subud’ (SPI, 1973) e ‘A Way Through The World’ (Altamira, Holanda). Robert mudou-se para Portugal em 1963, onde começou a estudar os lobos em 1983, e fundou o CRLI em 1989, tendo-se reformado como director em 1996. |